São Paulo (AUN - USP) - Aproximadamente 15% da população brasileira é alcoólatra. Esta afirmação provém de um estudo realizado pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
De acordo os pesquisadores, 7,3% do Produto Interno Bruto brasileiro são gastos com problemas relacionados ao álcool, que variam desde o tratamento de um dependente até a perda da produtividade causada pela bebida.
Diante das alarmantes estatísticas, o então quinto-anista da faculdade de Medicina da USP, Hercílio Pereira de Oliveira Júnior, começou, em abril de 1999, um trabalho de iniciação científica. Pretendia observar a mudança na motivação do indivíduo durante o programa terapêutico e como ela se revela na eficácia do mesmo.
Outro objetivo do projeto era relacionar as características sócio-econômicas do indivíduo com a sua classificação inicial e evolução, após três meses, dentro do Modelo Transteórico de Prochaska e DiClemente. O esquema proposto por estes pesquisadores enquadra os alcoolistas em quatro estágios. Na pré-contemplação, o alcoólico nem pensa em parar de beber e nega terminantemente a sua condição. Na fase da contemplação, ele vislumbra a idéia de largar a bebida, embora ainda dependa do álcool. Na ação, o paciente está bastante motivado para trilhar o tratamento distante do vício. Por fim, o último estágio, conhecido como manutenção, é aquele em que o indivíduo pára de beber, por completo, e não mais enfrenta os sintomas colaterais da abstinência, como tremor generalizado.
O espaço amostral da pesquisa era composto de 30 pacientes do Hospital Universitário e 29 do Hospital das Clínicas. Do total, 54,2% eram casados, 62,7% haviam estudado menos de oito anos e 42,4% estavam desempregados. Outra característica relevante do grupo é que 39% consumiam mais de 400g de álcool por dia.
Uma das primeiras observações de Hercílio foi a predominância dos pacientes do Hospital das Clínicas no estágio da ação, 48,3% contra 23,35% do Hospital Universitário. Neste, por sua vez, a pré-contemplação é mais freqüente, 43,3% contra 27,6%. “Provavelmente, a pré-contemplação se faz mais presente no HU porque muitos pacientes procuram o tratamento persuadidos pelo chefe ou pela família. Eles apresentam-se menos preparados para iniciar a terapia”.
Enquanto o Produsp (Programa de Tratamento do Uso de Álcool e Drogas na Universidade de São Paulo) atende somente alunos, funcionários e docentes, o HC atende a comunidade. Hercílio explica que a diferença entre as instituições reside justamente no que motiva o individuo a buscar ajuda. “A maioria das pessoas que procuram o Hospital das Clínicas vão por iniciativa própria. Estão sentindo na pele os efeitos da doença, por exemplo, a perda do emprego e problemas familiares”.
No estágio da ação, 48% dos doentes estavam desempregados, contra os 41,2% da pré-contemplação que continuavam trabalhando. Observou-se também que 62,5% dos pacientes com mais de 50 anos foram classificados no estágio da ação, bem como os 45,5% com mais de 8 anos de escolaridade e os 44,7% com renda mensal acima de R$500,00.
A entrevista motivacional, feita por Hercílio logo que os pacientes chegaram ao hospital, foi repetida três meses mais tarde. Dessa vez, o pesquisador visava detectar mudanças na classificação dos pacientes segundo o Modelo Transteórico. Os que inicialmente foram enquadrados nos estágios de pré-contemplação e contemplação evoluíram para outras fases. No entanto, a maioria dos indivíduos classificados na ação e na manutenção regrediu.
“Uma mudança na motivação pode reconduzir o paciente do último estágio ao primeiro. Por isso o modelo é cíclico”. Para ele, a ausência de linearidade explica a baixa aderência às terapias. Apenas um terço dos pacientes consegue parar de beber.
Ao final da pesquisa, terminada em abril do ano passado, Hercílio concluiu que a motivação e a intenção de mudar devem ser consideradas um continuum, sem que necessariamente as pessoas se movam ao longo dele. Para ele, o ideal é pensar em “estados” e não em “estágios” de mudança. “O Modelo Transteórico deve ser considerado no sentido de oferecer aos pacientes um esquema ideal de evolução. Sobretudo, o tratamento para o alcoólico demanda mudanças internas, intimamente ligadas à motivação”.