São Paulo (AUN - USP) - Incapacitadas, dependentes, abandonadas, infantis e assexuadas. É assim que as pessoas com deficiência física ou mental são vistas pela sociedade e cada vez mais essa imagem é cristalizada pelas propagandas de captação de recursos das instituições especializadas. A tese de doutorado defendida em maio pela professora Maria Eloísa D’Antino no Instituto de Psicologia da USP procura “compreender e desvelar facetas” dessas mensagens publicitárias para trazer à luz a ideologia das instituições.
A partir do acervo pessoal da pesquisadora, com mais de 100 campanhas, tanto da mídia impressa quanto da eletrônica, foi feito um recorte, seguindo dois critérios. O primeiro deles consistia em selecionar propagandas representativas de diferentes instituições de grande e médio porte. Já a segunda vertente dizia respeito à época em que elas foram criadas, sendo escolhidas aquelas de caráter assistencial e filantrópico, cuja fundação ocorreu na década de 70.
Dessa forma, foram eleitas oito peças publicitárias, veiculadas nos anos 90, da APAE, AACD, Norberto de Souza Cruz e do Lar e Escola São Francisco, das quais originaram os cinco ensaios que constituem a tese. Além disso, foram entrevistados dois diretores de criação de grandes agências de publicidade.
Analisando as partes para entender o todo, a pesquisadora percebeu que a perpetuação do estigma das pessoas com deficiência é vantajosa para as instituições. “É do interesse delas mantê-lo porque é a partir da impotência dos assistidos que ela se torna potente” afirma. Ou seja, o meio mais eficiente para captar recursos é o apelo. Através da piedade, do uso de imagens chocantes, da vinculação desse grupo com a pobreza real e simbólica é que as campanhas conseguem despertar a solidariedade do doador e angariar recursos.
Mas além das instituições especializadas, quem se beneficia com essas propagandas? “As agências de publicidade que não cobram pelo serviço, os meios de comunicação que as veiculam de graça e os artistas voluntários estão interessados em promover sua própria imagem. O poder filantrópico vende uma aura de benemerência que é associada às marcas envolvidas. Todos eles saem ganhando”, responde a pesquisadora.
No entanto, toda essa propaganda gera um desserviço que prejudica as pessoas com deficiência que são colocadas numa posição de desvantagem na sociedade. As imagens mostradas representam uma minoria, pois, segundo Maria Eloísa, a maior parte delas tem plena condição de estar no espaço social. “Eles exploram os casos graves, o grotesco, para tornar regra. Quando aparece uma pessoa com deficiência, o olhar já está condicionado pelo estereótipo. É preciso conhecer para quebrar os preconceitos”.
O problema é que tanto os dirigentes institucionais quanto os criadores publicitários estão imersos no meio social e não há uma reflexão sobre o tema. Para a pesquisadora, sua tese não visa a apontar culpados, mas sim iniciar uma análise crítica para tentar reverter essa situação. Por isso, são apresentadas propostas para as novas campanhas de captação de recursos.
Uma delas consiste em “colocar esse sujeito social no social”. Deixar que ele fale por si, evitar imagens que perpetuem mitos, não exagerar no grotesco e abrir espaço para todos os lados da questão, fugindo do maniqueísmo vítima x herói. “A mídia e as instituições não os colocam na posição de cidadãos, são mostrados apenas encarcerados e como coitadinhos. Por que não aparecem na escola, num parque, no cotidiano deles?” questiona a professora. Essa seria uma maneira de reverter o atual quadro em que a inclusão fica apenas no discurso, enquanto nas ações permanece a exclusão.
Outra proposta é a da propaganda indireta. Através de campanhas informativas, prestar um serviço, para a formação de atitudes favoráveis à pessoa com deficiência, e preservar a dignidade dela.Uma alternativa válida é a “preciosa ferramenta” do humor, sem sarcasmos nem ironia, que poderia ser usada pelos publicitários para brincar de forma “respeitosa e sadia com as situações pelas quais elas passam”.
Propõe uma superação da concorrência para que as instituições concentrem esforços para uma campanha conjunta. Sugere ainda o investimento do dinheiro obtido no sentido de conscientizar a população para a inclusão social e não mais para manter o “status cristalizado do poder filantrópico, como sustentáculo de suas ações e intenções”. Cobra dessas ONGs um papel transformador e político, abandonando o assistencialismo puro de muitas delas.
A importância desse estudo decorre do fato de que “a permanência do preconceito vem da não disponibilidade de pensar e agir de forma nova. Pensamos e agimos pela repetição, pelo culto ao estabelecido. O melhor caminho para mudar é a reflexão crítica”, resume a professora Maria Eloísa.