ISSN 2359-5191

26/09/2007 - Ano: 40 - Edição Nº: 48 - Saúde - Faculdade de Saúde Pública
Desgaste de controladores de tráfego aéreo é comparado ao de soldados no front

São Paulo (AUN - USP) - Sobrecarga de trabalho, dois empregos, problemas de saúde, pressões psicológicas, tensão constante, submissão a hierarquia militar, problemas com equipamentos e o pior, sem ter a quem relatar. São essas as circunstâncias em que um controlador de trafego aéreo vive hoje no Brasil.

As jornadas são maiores do que em vários países e os intervalos entre jornadas (15 minutos a cada duas horas) vêm sendo desrespeitados, para suprir o déficit numérico de controladores, assim como as folgas e férias. “O desgaste desse profissional nos períodos de mais tensão foi comparado em um estudo com o mesmo que soldados passam no campo de batalha, na linha do front”.

Com o objetivo de avaliar as condições de saúde desses profissionais e sua influência na segurança dos vôos, a pesquisadora e também viúva de uma das vítimas do primeiro acidente com o avião da TAM em outubro de 1996, Rita de Cássia Araújo, acompanhou o cotidiano de 12 controladores de tráfego aéreo com autorização do Ministério da Aeronáutica para desenvolver sua dissertação de mestrado.

Segundo Rita, apesar de desde 2000, ano em que realizou a pesquisa, o volume de tráfego aéreo no Brasil ter aumentado em média 12% ao ano, não houve investimento por parte do governo para lidar com a nova conjuntura. “ Não houve melhoria das condições de trabalho, nem aumento do número de trabalhadores, e a sobrecarga foi ficando cada vez maior, sendo que em 2000, a situação já se encontrava no limite do limite”. Ela explica que o Brasil está desobedecendo a recomendação internacional de que cada controlador deve monitorar no máximo 8 aeronaves: “Aqui em São Paulo eles estão trabalhando com 15”.

O quadro fica ainda mais grave quando o trabalhador (a grande maioria) precisa em suas poucas horas vagas, cumprir outros compromissos como jurar bandeira, participar de desfiles militares ou até mesmo trabalhar em um segundo emprego.

O salário baixo torna-se um componente importante para a análise da questão do desgaste da saúde, tanto porque sua insuficiência leva a procura de outra ocupação suplementar, quanto por sua influência no nível da qualidade de vida necessário à recuperação do cansaço e prevenção de doenças.

Entre as condições de trabalho que agravam os riscos à saúde dos controladores, está o trabalho noturno e em turnos alternados – um dia ele trabalha das 6 às 14 horas; no próximo das 14 às 22 horas ; e no seguinte das 22 às 6 horas, assim sucessivamente. “Isso perturba o biorritmo natural do organismo, contribuindo para o agravo do seu quadro de saúde”, afirma a pesquisadora.

Há ainda as próprias exigências da profissão. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), essa é uma das ocupações mais complexas existentes no mundo moderno e, ao mesmo tempo, uma das que exigem maior atividade mental. Em um de seus estudos, Rita faz uma sucinta e parcial descrição da magnitude dessa atividade: “O trabalho mental inclui, por exemplo, a atenção permanente e multidirecionada, isto é, voltada simultaneamente, para os conjuntos de números - captados através do radar - que resumem a situação de cada aeronave nas telas e para as comunicações que realiza na interlocução com os pilotos dos aviões, mas também com outros técnicos do mesmo setor e ainda na articulação com outros centros de controle do país. O controlador precisa estar atento para manter as distâncias seguras entre as aeronaves - tanto no sentido vertical quanto no horizontal – ao mesmo tempo monitorar as velocidades e assegurar a separação e o fluxo dos aviões pelas diferentes aerovias (“estradas do céu”), definidas para cada conjunto de aviões. Cuidados especiais precisam ser tomados na atenção às decolagens e aproximações para aterrisagens, exigindo análise continuada dos diferentes parâmetros referentes às aeronaves, aos aeroportos e mesmo à metereologia.”.

Na sua dissertação, Rita de Cássia Araújo registrou que após períodos extensos de atenção concentrada, os controladores chegavam a passar por um “bloqueio mental” que impedia o prosseguimento da atividade, exigindo a substituição imediata por outro controlador. Como a situação atual é de falta de profissionais, não há substitutos disponíveis, tornando o quadro ainda mais preocupante. Há também a possibilidade de confusão mental e prejuízos à memória imediata (esquecimentos) que podem levar a falhas de desempenho e riscos para o próprio equilíbrio do tráfego, já que um mesmo controlador orienta simultaneamente muitos pilotos.

Depressão
Outros problemas também comuns são os gastrointestinais (gastrite, úlcera), insônia, hipertensão, sobrecarga do sistema cardiovascular e depressão. Os casos mais graves são os de esgotamento profissional, o chamado burnout, “uma síndrome que se caracteriza por manifestações de exaustão, pela sensação de saturação (não agüentar mais nem o trabalho nem as pessoas com quem nele convive), perda de interesse pela atividade e sentimento de incapacidade e queda do desempenho, sendo geralmente acompanhada por ansiedade, insônia e muita irritabilidade”, explica em sua dissertação. “As condições de trabalho tem que melhorar, com aumento no número de profissionais, com boa formação e alívio das exigências e pressões psicológicas”, defende.

Uma abordagem mais criteriosa seria, então, essencial, com acompanhamento médico e psicológico contínuo para manter o desempenho desses trabalhadores, já que seu trabalho envolve muitas vidas humanas. Porém, infelizmente, não é o que tem acontecido.

Ela afirma que os exames de saúde que os controladores fazem a cada ano (depois dos 40 anos e antes disso, a cada dois anos) são superficiais e servem apenas para cumprimento de norma. O médico psiquiatra muitas vezes atende seu paciente sem ao menos olhar em seu rosto. “Eles têm vontade de falar, expor a situação em que vivem, mas não conseguem adquirir confiança para isso, já que aquele psiquiatra nunca foi no trabalho dele e não conhece o nível de desgaste a que é submetido”.

Ele aponta que no Brasil existe uma tentativa de inserção de um profissional da psicologia no ambiente de controle de tráfego aéreo de São Paulo. Entretanto, os resultados estão sendo insignificantes pela proximidade que ele (o psicólogo) tem com os altos comandos militares. “Isso faz com que o trabalhador sinta medo de contar uma situação de quase acidente, ou de delatar um comandante envovido num descumprimento de normas”, revela.

Vida Social
Além disso, há um desalinhamento do profissional com o círculo social, seus familiares e amigos. “Independente de ser natal, Ano Novo, Páscoa, Dia do Aniversário do filho, da mãe, ele tem que cumprir a escala, ele não pode participar das ocasiões sociais”.

A necessidade de sempre estar fardado – no caso dos controladores militares, a maioria, no nosso clima tropical também foi apontado como um ponto negativo do quadro atual. Rita fala que na Suíça, no verão, os profissionais trabalham de bermuda e tênis, evidenciando que a vestimenta não interefe no desempenho.

Os tipos de adoecimento relacionados ao desgaste mental decorrente do trabalho no controle de tráfego aéreo também são vistos em outros países, mas recebem mais atenção.

Exemplos como o do EUA, Canadá, e os países da Comunidade Européia, onde existe acompanhamento psicológico contínuo dos controladores, devem ser analisados. “Com formação e instrumental apropriado, o psicólogo pode ajudar o controlador a lidar com as situações pelas quais passa, para que eles não precisem guardar aquilo dentro de si, sonhar com aquilo e prejudicar sua saúde”, explica.

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