São Paulo (AUN - USP) - A prática esportiva desde cedo auxilia na evolução corporal da criança e do adolescente. Essa é uma idéia amplamente difundida, assim como são comuns competições esportivas cuja idade dos participantes é baixa, para menos de dez anos. Mas, dependendo do modo de iniciação esportiva e competição direcionado ao jovem, o que se verifica nem sempre são saúde e habilidades favorecidas. Motivada pelo impacto que a introdução precoce no ambiente esportivo competitivo e disciplinar pode causar no desenvolvimento biológico, físico e psicológico da criança, a pesquisadora e mestra em Biodinâmica do Movimento Humano Simone Arena desenvolveu o estudo “Iniciação e especialização esportiva na Grande São Paulo”.
Atenta à precocidade com que crianças começam a praticar esportes, Simone procurou investigar de que forma a iniciação e a posterior especialização esportiva se dão em clubes, entidades e federações. Recolheu, entre 1998 e 2000, com supervisores e coordenadores do esporte, informações em nove federações paulistas – de basquete, vôlei, handebol, atletismo, ginástica olímpica, tênis, judô e natação – e 15 entidades esportivas, além das Secretarias Estadual e Municipal de Esporte. Foram analisados os critérios para iniciação esportiva, idades de início do treinamento técnico específico, formas de competição para jovens, o papel da federação específica de cada esporte no sistema de competição e também a fundamentação teórica e a capacitação de profissionais desses centros na introdução do esporte para a criança.
As constatações de Simone na prática foram, de modo geral, contrárias às recomendações feitas pela teoria. A literatura especializada indica três fases para uma vida esportiva considerada biológica e fisicamente adequada para um jovem que, eventualmente, se torne atleta: a iniciação múltipla, poliesportiva, para auxílio no desenvolvimento biológico e de habilidades físicas e motoras(de sete a 12 anos); a escolha de um esporte definido a partir de aptidões individuais (entre 12 e 15 anos) e, enfim, a intensificação, dentro da modalidade, do treinamento em posição específica – por exemplo, levantador, atacante de ponta ou meio-de-rede, no vôlei.
A pesquisa comprovou que a maioria dos centros e entidades pesquisadas, embora possua treinamentos poliesportivos direcionados a faixas etárias mais baixas, promove a especialização esportiva em idades muito precoces. Isso significa que a criança passa a treinamentos intensivos de um só esporte em épocas em que deveria estar sendo estimulada por uma atividade corporal múltipla. Além disso, a exigência disciplinar e os calendários competitivos exercem a pressão psicológica que, ao encerrar a criança na prática compromissada de uma única modalidade, pode cumprir exatamente o oposto da socialização que se pretende favorecer com a iniciação esportiva. Em vez de se promover uma atividade física múltipla e participativa, introduz-se precocemente uma vivência de competição: “A participação em competições faz parte do desenvolvimento esportivo das crianças participantes dos diferentes programas, o problema sesta relacionado na forma, objetivos e periodicidade das mesmas, assim como na faixa etária adequada para o início regular e mais competitivo, como acontece no esporte federado”, explica a autora.
Interagindo iniciação e especialização, observou-se estreita relação entre as faixas etárias de competições com aquelas nas quais as crianças iniciam o treinamento de modalidade única e tornam-se competidoras. Constataram-se para o estímulo de tal precocidade outros fatores, tal como a ampliação do campo de trabalho para treinadores. Quanto à prática prematura de um só esporte, verifica-se que a escolha da modalidade nem sempre é feita levando-se em consideração possíveis interesses da própria criança, ou seja, não é feita pela própria criança.
Em comparação ao esporte internacional, Simone explica que, no Brasil, as modalidades coletivas têm seu treinamento específico iniciado muito cedo, em trono de 7 anos. No exterior, as três fases anteriormente explicadas – iniciação, escolha e especialização -, são mais respeitadas. A discrepância brasileira denota que as federações estudadas não seguem as recomendações de suas entidades reguladoras internacionais.
Quanto às competições, o futebol de salão é o grande campeão em precocidade nas modalidades coletivas: há atletas de até seis anos participando de competições federadas, enquanto o adotado nas outras para essa atividade é de 12. Nos esportes individuais, tênis, judô, natação e ginástica olímpica também têm sistemas de disputas para atletas em idade muito baixa. A ginástica olímpica, entretanto, é a única modalidade ajustada à sua federação internacional, visto que o sistema competitivo desse esporte gira mesmo em torno da tradicional pouca idade dos praticantes.
Apesar dos argumentos de que a pouca idade de atletas se deve ao esforço das federações e entidades esportivas em massificar o esporte, os coordenadores e supervisores reconhecem os efeitos negativos da precocidade. “A importância de atividades esportivas com crianças reflete a necessidade de compreender que começar cedo no esporte não é, necessariamente, começar precocemente o treinamento e a competição regular de uma única modalidade", afirma Simone. Ficam algumas sugestões da pesquisadora: considerar a importância do trabalho multilateral sobre a preparação especializada, adequar treinamentos à idade biológica dos jovens, proporcionar métodos de treino menos repetitivos e rever a participação de jovens em competições federadas com elevados níveis de exigência técnica, física e psicológica. Simone ainda alerta para a importância crescente de integração esportiva que os festivais de esporte vêm adquirindo, em contraposição ao calendário extenso de competições federadas. O caráter desses festivais e de ligas esportivas está mais apto ao que a especialização do jovem, enquadrada num sistema rígido, muitas vezes anula: um desenvolvimento esportivo mais harmonioso e livre o quanto possível de pressões psicológicas fora de época.