São Paulo (AUN - USP) - Entrando pelo corredor, é possível escutar versos de Hamlet lidos em alto e bom tom. Estamos em uma escola de teatro ou, no máximo, em alguma instituição com um bom curso de literatura, certo? Errado. Estamos no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP), onde um pequeno - e atípico - grupo de estudantes da faculdade se aventura nas aulas de leitura dramática com a atriz, diretora e roteirista de teatro Jollanda Gentilezza. A procura pelo curso não é grande (o número de matriculados não ultrapassa a marca dos dois dígitos), mas as aulas contam com a aprovação quase unânime de alunos e ex-alunos, que melhoram a sua habilidade para se comunicar com um tipo de aprendizado diferente do que estão acostumados.
A idéia de ter um curso de leitura dramática no IME-USP foi do professor Valdemar Setzer. Preocupado com a formação dos estudantes da casa, Setzer sabia que era necessário oferecer uma alternativa ao currículo tradicional para os alunos. “Tudo o que eles aprendem é física e matemática”, lamenta. Toda a frieza que a matemática pode ter é repassada ao corpo discente, que deixa de aperfeiçoar a sua capacidade de expressão, aspecto muito requerido pelo mercado de trabalho atualmente. O pesquisador sabe bem dessa deficiências: suas aulas começam com um exercício de canto. “A dificuldade para cantar e se expressar é fantástica”, diz o pesquisador.
Claro que nenhum desses alunos procurou a formação em ciências exatas por ter afinidade com as artes dramáticas ou humanas, mas isso não impede que as aulas tenham papel complementar para a sua formação. “Eles precisam de algo que venha dos sentimentos, como a leitura dramática. Nela, eles aprendem a se comunicar melhor, a colocar sentimentos na expressão oral, em contraste com a objetividade da ciência”, diz. “Duvido que alguém vá para a faculdade pensando “Legal, hoje tem Cálculo III!”. Já com a leitura dramática eles vão à aula com outro espírito, entusiasmados com o que vão encontrar”.
Todo o entusiasmo a que Setzer se refere é visto nas aulas, realizadas todas às quintas-feiras às 13 horas. Os estudantes mostram uma desenvoltura incomum para alunos de ciências exatas e reproduzem as falas dos maiores clássicos do teatro com uma naturalidade que nem eles sabiam que poderiam ter. “A conscientização corporal é a primeira parte. Fazemos exercícios e mexemos com elementos para vencer as inibições dos alunos”, comenta Jollanda. “Costumo dizer que a cabeça deles é um tsunami, mas o corpo é uma ameba. Isso tem que ser balanceado”.
Nilson, Débora e Guilherme estão aprendendo a equilibrá-los. “Eu sentia que minha capacidade de me expressar estava atrofiando, que eu não estava desenvolvendo essa habilidade. A leitura dramática aliviou essa dificuldade”, diz Nilson. “As pessoas até acham estranho porque elas conversam muito pouco. O pensar é muito exato”, complementa Guilherme.
Os resultados com os alunos do IME foi tão bom que a procura pelo curso atingiu outras unidades. Débora, por exemplo, faz oceanografia. “Temos muita matemática no curso, temos que nos concentrar demais. Essa disciplina é uma boa válvula de escape para isso”.
Mesmo que não tenha sido a intenção de Setzer ao idealizar o curso, os alunos foram além e apresentam peças de teatro no IME-USP todos os anos. A produção e a atuação dos estudantes está longe de ser desastrosa, o que já rendeu convites até para apresentações externas. Mas a verdadeira vitória, segundo Jollanda, é perceber que os estudantes concluem o curso e passam a ter outras fontes de diversão além da matemática e outros companheiros além de calculadoras científicas e livros da área. “Aqui ninguém faz contas”, acrescenta a extrovertida Jollanda.