ISSN 2359-5191

12/12/2007 - Ano: 40 - Edição Nº: 96 - Sociedade - Escola de Artes, Ciências e Humanidades
Copyright fere liberdades do indivíduo e a comunidade

São Paulo (AUN - USP) - Richard Stallman, hacker, presidente da Free Software Foundation, criador e principal mentor do movimento de software livre, apresentou recentemente na Escola Politécnica da USP a palestra “O copyright contra a comunidade”. A convite do Grupo de Pesquisa em Políticas para o Acesso à Informação (G-Popai) da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), Stallman falou sobre as coerções causadas pelas leis de copyright à liberdade dos indivíduos na era da computação.

Segundo o programador, o software livre diz respeito à liberdade do usuário, e não ao preço ou à disponibilidade dos programas. São quatro liberdades: a de executar o programa para qualquer propósito; a de conhecer o código-fonte e alterá-lo segundo as necessidades do usário; a de redistribuir cópias; e a de distribuir versões modificadas. Para ele, trata-se de um uso ético, que respeita a liberdade do indivíduo e a comunidade, em contraposição ao modelo proprietário, injusto e que precisa ser combatido.

Stallman começou a desenvolver o GNU, o primeiro sistema operacional livre, em 1984. Em 1992, o jovem programador finlandês Linus Torvalds supriu a última lacuna do projeto com a criação do kernel Linux – kernel é o núcleo de um sistema operacional, é o que controla o hardware do computador. Surgiu então o sistema GNU/Linux. Stallman conta que com a criação do software passou a ser chamado para falar em diversos lugares e as pessoas lhe perguntavam se outras coisas, que não softwares, poderiam ser livres. Cadeiras poderiam ser livres?

Desenvolvimento histórico do copyright
O hacker pondera que esta pergunta faz pouco sentido se aplicada a objetos físicos. No entanto, ela pode ser pensada quando se trata de criações intelectuais restritas por copyright. Segundo ele, historicamente a legislação de copyright desenvolveu-se com as mudanças na tecnologia de cópia. Quando as cópias eram feitas manualmente, o que impossibilitava a produção em escala, não havia copyright – até porque não havia como impedir alguém de copiar um livro com as próprias mãos.

Com o impresso, surge a cópia em escala, feita com equipamentos caros e especializados. Era um sistema centralizado, onde o copyright servia como mecanismo de controle estatal sobre a reprodução de conteúdos. O monopólio sobre o direito de cópia era uma concessão aos livreiros, não aos criadores. Num momento posterior, nos países de tradição jurídica anglo-saxã, como os Estados Unidos, o copyright passa a ser entendido como um privilégio do autor. Era uma forma de incentivo à criação, em nome do interesse do público de ter acesso a novas produções intelectuais, que deveria durar por um tempo limitado – inicialmente o período era de 14 anos, renováveis.

Stallman explica que na “era do impresso” o copyright era uma forma de equilibrar o interesse público e o interesse privado dos autores, sendo restritivo a editores que fizessem cópias não autorizadas com intuito comercial. Os leitores não sofriam restrições, o que tornava a lei bastante aceita. Porém, a era do impresso está dando espaço a “era da computação”, onde a possibilidade de copiar volta às mãos dos indivíduos. Cópias idênticas e perfeitas podem ser feitas facilmente, a virtualmente nenhum custo.

Copyright na era do computador
Na era do impresso, o copyright era uma forma de regulação industrial sobre os editores, em benefício dos autores e do público. Na era do computador, trata-se de uma restrição sobre os usuários, feita pelos editores, em nome dos autores. Os editores e a indústria de copyright em geral (gravadoras, estúdios cinematográficos etc) alegam que as tecnologias de computação ferem as leis de copyright. Para Stallman, ocorre o contrário: as leis de copyright ferem a liberdade de uso dessas tecnologias pelos indivíduos. Um governo verdadeiramente democrático deveria renegociar essas leis para permitir aos usuários exercitar suas liberdades, reduzindo os poderes dos detentores de copyright, acredita ele.

Porém, o que acontece na prática é uma contínua extensão dos prazos de vigência do copyright, devido aos interesses da indústria do entretenimento. Nos Estados Unidos, a última extensão aumentou em 20 anos a vigência do direito, devido à pressão da Disney, que temia que seu personagem mais popular, o Mickey Mouse, entrasse em domínio público com o fim de seus 75 anos de monopólio. Além disso, devido, aos tratados internacionais, a extensão de prazo em um país tende a elevar os prazos em todo o mundo. É sempre privilegiado o interesse das corporações e não o dos cidadãos, afirma Stallman.

O DRM, “digital rights management”, dispositivo de limitação de usos presente em alguns DVDs, CDs, e-books e arquivos digitais diversos, é, para Stallman, um ataque à liberdade e, por isso, deve-se lutar contra ele. Ao restringirem por meios técnicos todo uso não autorizado, estes dispositivos impedem usos éticos e legítimos, alguns legais, outros não. Para ele, o primeiro passo nessa luta é nunca comprar produtos com DRM, a não ser que a pessoa disponha de mecanismos e conhecimento para quebrar essa tecnologia. “Não devemos alimentar o inimigo, é preciso fazer sacrifícios pela nossa liberdade”, afirmou.

Diferentes trabalhos, diferentes liberdades
Stallman propôs uma distinção entre três tipos de trabalhos intelectuais. Segundo o criador do software livre, existem os trabalhos de uso prático, trabalhos que transmitem o pensamento de alguém e aqueles de arte e entretenimento. Para ele, todo trabalho intelectual de uso prático deve ser livre: deve ser de livre acesso, poder ser modificado segundo as necessidades do usuário e livremente compartilhado com a sociedade. Para os que se perguntam se as pessoas se sentiriam incentivadas a produzir sem o copyright, Stallman cita os milhares de softwares livres já produzidos até hoje. Cita também obras de referência como a Wikipédia e outros sites mais especializados de conhecimento livre, além de alguns livros didáticos livres já existentes.

Os trabalhos de transmissão de conhecimento através de um pensamento singular não devem ser modificados, pois isso poderia deturpar as idéias originais do autor. No entanto, cópias feitas por indivíduos para uso privado deveriam ser permitidas. Já para os trabalhos de arte e entretenimento, o programador acredita que há argumentos válidos dos dois lados: por um lado a alteração poderia comprometer a integridade artística da obra, por outro, a modificação pode ser uma contribuição à arte. Ele acredita que compartilhar vídeos e música na internet deveria ser legal, se o uso for privado. Isso porque são poucos os artistas que realmente se beneficiam do copyright, geralmente apenas as grandes estrelas, que são os que costumam defender publicamente a manutenção das restrições. Porém, para a grande maioria dos artistas o compartilhamento pode ser uma forma saudável de divulgação, feita por amantes de música e do cinema e não pelas corporações.

Stallman conta que estudos apontam que o compartilhamento de música aumenta a venda de CDs, o que, segundo ele, é ruim, pois mantém as grandes companhias no controle, mas é positivo por possibilitar liberdade de cópia. Ele acredita que o compartilhamento não levará uma indústria poderosa como Hollywood à falência, uma vez que grande parte dos ganhos de um filme hoje é com merchandising e com usos comerciais (como exibição em cinemas e locação), que continuariam sendo pagos. Para ele, mesmo que a indústria venha a ter ganhos menores, não se deve abrir mão da liberdade para protegê-la.

Alternativas e alianças
Por fim, o programador fez duas propostas para incentivar a criação intelectual visando o interesse público. A primeira poderia ser a taxação de mídias virgens ou da internet para pagamento direto aos artistas baseado em sua popularidade, mas não de modo proporcional – pois, segundo ele, superestrelas não precisam desse incentivo e assim outros artistas seriam estimulados. Outra sugestão seria um sistema de doações voluntárias aos criadores, o que tem funcionado em algumas experiências recentes na internet.

Stallman, que também é o autor da GNU General Public License, a GPL, licença livre mais usada do mundo, foi perguntado sobre o que pensa das licenças Creative Commons – acusadas por muitos de não serem livres, por permitirem níveis diversos de controle pelo autor, alguns mais abertos, outros mais restritos. O fundador da Free Software Foundation (“Fundação para o Software Livre”) respondeu que a FSF e a Creative Commons têm algumas diferenças fundamentais. A FSF tem um posicionamento ético: para ela, o software proprietário é maligno e deve ser combatido. Já a Creative Commons tem uma filosofia diferente, mas ele acredita que são licenças válidas devido à distinção das três categorias de trabalho intelectual.

Sobre o que pensa da aliança entre movimentos sociais que lutam contra o copyright com movimentos que lutam contra patentes, Stallman respondeu que este tipo de aliança pode fortalecer a luta, mas é preciso ter clareza de que se tratam de questões distintas. Isso porque o copyright diz respeito à liberdade do indivíduo de usar a tecnologia de que dispõe para fazer cópias para uso não comercial. Já no caso de patentes como as de remédio, por exemplo, o indivíduo não dispõe da tecnologia e do conhecimento para produzir cópias. No entanto, ambas as lutas se encontram no combate aos abusos das megacorporações.

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