São Paulo (AUN - USP) - A memória é uma coisa frágil, e pode falhar. A conclusão é de diversos pesquisadores, na sua maioria americanos, suecos e ingleses, estudiosos das ‘falsas lembranças’ em relatos de fatos. Os dados comprovam que qualquer um é capaz de descrever cenas que nunca viu, induzido por questionamento, ou hipnotismo, e todos podem ser levados a acreditar que aquelas são memórias realmente vividas.
Diversas regiões do cérebro são responsáveis pela memória. Uma das partes mais ativas são os lóbos frontais, que processam informações de tomadas de decisão e julgamento. Outras regiões, como o hipocampo e lóbos temporais também apresentam contribuição no armazenamento de lembranças. Em relaçao às ‘falsas memórias’, cientistas ainda não conseguiram decifrar qual região seria responsável especificamente pela distorção de fatos.
Os grupos de estudo das ‘falsas memórias’ ainda é pequeno no Brasil. Lilian Stein, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, desenvolve pesquisa na área. Outra pesquisadora, Marcia Melhado, mestranda do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, estuda a construção das falsas lembranças em grupo de idosos. Sua tese, orientada pelo professor Arno Engelmann, titular do Departamento de Psicologia Experimental, será defendida no próximo mês.
Sua pesquisa foi realizada nos últimos 2 anos com grupo de 16 jovens, entre 20 e 34 anos, e 18 pessoas com mais de 60 anos. Todos mantinham atividades físicas regulares. Houve também triagem, num primeiro instante, para identificar patologias cerebrais, que poderiam refletir de forma tendenciosa no resultado final da pesquisa.
Melhado aplicou, durante seu trabalho de campo, métodos lançados internacionalmente para comprovar a capacidade de lembrança. “A psicologia conseguiu, ao longo dos últimos anos, criar paradigmas que ajudassem na identificaçao da falsa memória”, explica Melhado. “Um deles é o jogo com palavras, listadas de forma semântica, que levam a indução de outras palavras inexistentes, comprovando a vulnerabilidade da lembrança. Também a evocação livre, entre outros modelos de teste, conseguem demonstrar este processo”, detalha.
Entre os idosos, o índice de afastamento da realidade é ainda maior. “Comprovei, entre outras coisas, que os mais velhos generalizam informações mais que o jovem e, por isso sua memória da fonte da origem é mais pobre”, diz. Sobre os jovens, continua, “ao generalizar menos, conseguem pintar uma narração ou associação mais próxima do real”.
Esta recente linha de estudo apresenta diversas funcionalidades cotidianas. A psicóloga explica que a técnica já é usada em alguns tribunais dos Estados Unidos. “O estudo consegue demonstrar quão próximo ao real é um testemunho, ou até mesmo, em casos clínicos, a indução de falsas memórias em pacientes, por parte de um psicólogo ou terapeuta. São muitos os casos de relatos de abuso sexual por pacientes que nunca enfrentaram esta situação, extraídos através de um questionamento mal elaborado”, explica.
Para a pesquisadora da USP, ainda há uma grande questão em aberto, tanto no conjunto nacional como internacional de obras relacionadas às ‘falsas memórias’. “Falta ainda um aprofundamento na área de testes implicitos ou indiretos, que conseguirão provar, ou não, a influência de variantes em resultados de testes”, comenta, ao exemplificar a influência do nível de escolaridade no desempenho dos sujeitos pesquisados - “Não se sabe o quanto implica, no resultado final de uma avaliação, o número de anos que um sujeito estudou”.
O interesse de cientistas ocidentais pela memória data do século XIX. A pesquisa em torno das ‘falsas memórias’ começa a despontar na década de 90. Boa parte dos estudos mais atuais defende que as ‘falsas lembranças’ podem e, em muitas vezes, são induzidas por terceiros. Uma pessoa pode se sentir pressionada a lembrar de algum fato, o que a tornaria mais sucetível a imaginar situações que não aconteceram. Um questionamento mal construído também pode refletir uma falsa reconstrução da realidade.