São Paulo (AUN - USP) - “El hombre no tiene naturaleza, sino história”. Essa frase, de autoria do filósofo espanhol José Ortega y Gasset, é para o professor César Ades, do Instituto de Psicologia da USP, um exemplo de abordagem simplista da relação entre o instinto e o comportamento humano. Para ele, é impossível se investigar a questão se continuarmos presos a um esquema dicotômico que não leva em conta a intersecção entre genética e meio social.
Essa opinião foi proferida em uma mesa-redonda ocorrida recentemente no Instituto de Biociências da USP. “O comportamento é herdado?”. Essa era a pergunta em questão e o título do debate. Participaram dele também o psicólogo Antônio Máspoli, da Universidade Presbiteriana Mackenzie e, como mediador, Antônio Carlos Maia, membro fundador do ICED (Instituto Comportamento, Evolução e Direito), que pesquisa as relações entre biologia evolutiva e direito.
O ambiente não é capaz de explicar todas as ações dos animais. “Por que com o homem seria diferente?”, disse Ades. A saúva fêmea, por exemplo, arranca suas próprias asas após se acasalar para criar o ninho. O ato é único na vida da formiga. “É difícil dizer que o animal treinou, aprendeu. Me parece que isso é uma intuição”.
Antônio Máspoli seguiu uma linha parecida de raciocínio. Especialista em Jung, discorreu sobre como o conceito de arquétipo, um dos mais famosos formulados pelo psicanalista alemão, de certa forma corrobora a idéia de hereditariedade do comportamento. Para Jung, os arquétipos são disposições psíquicas inatas e universais que formam o substrato do qual emergem os temas básicos da vida humana. Nascimento, morte, iniciação e casamento seriam eventos arquetípicos, cuja influência na psique humana poderia ser detectada pelos mitos, tradições e religiões, por exemplo. “O repertório da espécie de alguma forma vai se repetir na pequena história do indivíduo. Há um momento na vida das crianças, especialmente na dos meninos, em que elas ficam fascinadas pelo fogo. Segundo Jung, ao ver o fogo elas sentem o mesmo que seus ancestrais”, diz o psicólogo.
Outra concepção questionada durante o encontro foi a de que o instinto é uma imposição fixa e imutável da natureza. “Quando um cientista social diz que estamos defendendo o instinto, que estamos defendendo que o comportamento humano é fixo, eu respondo: ‘Mas nem o dos animais é fixo!’”, disse Ades. E deu diversos exemplos de como o comportamento animal é mutável. Cada clã de orcas possui um dialeto próprio, que muda com o tempo. Chimpanzés e bonobos criam formas tradicionais de comportamento. Dizer que o homem age instintivamente não significa dizer que ele está preso a uma camisa de força. “Se o instinto fosse igual em todos os animais, não haveria seleção natural”, diz Ades. “Darwin era muito astuto. Errava em muitos pontos mas era muito astuto. Ele disse: ‘Existe o instinto, mas existe a possibilidade dele se modificar desde o começo’”.