São Paulo (AUN - USP) - Não há como analisar a arte contemporânea brasileira sem dedicar atenção especial aos coletivos de arte. A atuação dos grupos, formados principalmente nas grandes capitais, rompe os limites da arte institucionalizada, levando as obras ao espaço público. Intervenções urbanas quebram a rotina, abalam o cotidiano e colorem o cinza das cidades. Uma amostra do trabalho destes coletivos pode ser vista no Centro Universitário Maria Antônia, da USP. A exposição Campo Coletivo leva a arte feita especialmente para as ruas para dentro de um espaço cultural.
Fazer esse caminho inverso não foi simples. As curadoras Fernanda Albuquerque e Gabriela Mota discutiram o formato da exposição com os artistas durante cerca de um ano pela internet. O projeto é um desdobramento da dissertação de mestrado de Fernanda, que faz um mapeamento dos mais de 70 coletivos do país. Os cinco grupos participantes da mostra – Espaço Coringa, de São Paulo, GIA, de Salvador, Cine Falcatrua, de Vitória, Laranjas, de Porto Alegre e Poro, de Belo Horizonte – esclarecem aos visitantes como funcionam suas intervenções urbanas. Uma legenda explica que azulejos de papel são colados em muros e postes da cidade. Outra, em um balcão cheio de panfletos, indica onde e como eles são distribuídos. Ocupando lugar de destaque na sala, uma fotocopiadora convida o público a reproduzir à vontade todo o material gráfico exposto. Uma poltrona idealizada pelos artistas Graziela Kunsch e Vitor Cesar, que se juntaram posteriormente ao projeto, oferece uma mini-biblioteca sobre coletivos de arte.
Fernanda Albuquerque diz que um dos critérios para a escolha dos grupos foi a diversidade de propostas. Os coletivos criam desde panfletos, lambe-lambe e stencil, até vídeos e performances. A curadora procurou grupos que expressassem suas idéias de forma criativa e que compartilhassem certas características inerentes aos coletivos, como criação colaborativa e efemeridade das obras, mas não se importou em mostrar trabalhos necessariamente ativistas: “O trabalho destes cinco grupos é sempre político, mas não ativista, no sentido de buscar diretamente mudanças na realidade social”. Para o pesquisador André Mesquita, que prepara uma tese sobre o tema, o que falta aos coletivos brasileiros é justamente uma carga maior de protesto, mais comum na Europa e Estados Unidos. “Acho que as pessoas sentem falta de algo que não existe”, diz Brígida Campbell, integrante do coletivo Poro. A artista mineira defende que os grupos não precisam fazer com que suas intervenções se transformem em manifestações políticas; cada coletivo encontra sua forma de expressar a insatisfação contra o sistema estabelecido.
Em 2004, por exemplo, durante o Fórum Social de Mumbai, na Índia, o Poro confeccionou uma camiseta com os dizeres: “Imagine um mundo onde as sementes já nascem mortas. Este mundo é patrocinado pela Mon$anto”. No ano anterior, “plantou” flores de papel celofane vermelho em canteiros abandonados de Belo Horizonte. Os integrantes do Cine Falcatrua ainda refletem se sua atuação pode ser realmente considerada uma forma de arte. O coletivo capixaba realiza sessões de cinema ao ar livre, com equipamento caseiro e filmes baixados da internet, como forma de democratizar o acesso à sétima arte.
O Cine Falcatrua ainda promove duas atividades paralelas à mostra (chamadas de “ativações”), que exemplificam bem o bom humor e a originalidade dos coletivos: um festival de filmes de fantoche e uma oficina de argumento para filme pornô. Outros eventos vão ser programados até o fim da exposição, fora do espaço cultural, devolvendo a arte dos coletivos ao seu lugar de origem.
Serviço:
Exposição Campo Coletivo
Centro Universitário Maria Antônia - R. Maria Antônia, 294, Vila Buarque - São Paulo
27 de março a 1º de junho de 2008
De terça a sexta das 12 às 21 horas, sábados, domingos e feriados das 10 às 18 horas
Entrada franca
www.usp.br/mariantonia