São Paulo (AUN - USP) - Servir de instrumento para futuras pesquisas sobre as comunidades indígenas da Amazônia durante os 300 anos da colonização portuguesa, que terminou na década de 1820. Essa é a intenção do Dicionário Etno-Histórico da Amazônia Colonial, livro escrito por Antonio Porro, doutor em Antropologia Social, durante seu pós-doutorado no Instituto, de 2004 a 2006, lançado recentemente no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP)
O dicionário, dividido em cinco partes, dentre elas “Povos e Territórios” e “Crenças e Divindades”, tem por objetivo dar subsídios para futuras pesquisas na área. Foram catalogados cerca de 600 nomes de tribos e comunidades, bem mais do que outros dicionários sobre o tema já catalogaram. O Mapa Etno-Histórico de Nimuendaju, de 1944, por exemplo, agrupou 240 nomes no mesmo território compreendido pelo livro de Porro. Naturalistas exploradores do século XIX diziam ser a Amazônia “deserta”, pois centenas de quilômetros eram percorridos sem que nenhuma comunidade fosse avistada. Contudo, lendo crônicas dos séculos XVI e XVII, toma-se conhecimento de grandes povoados e comunidades tribais.
As informações contidas no livro não foram retiradas de histórias contadas por índios, mas estão baseadas em relatos deixados por cronistas europeus que exploraram a região que naquela época era o estado do Grão-Pará e Rio Negro, que atualmente corresponde a grande parte dos Estados do Amazonas e do Pará. Por esse motivo, Antonio nos alerta para o fato de que os relatos podem conter exageros e imprecisões. Durante a pesquisa, várias diferenças nos relatos dos cronistas foram achadas. Além disso, o tipo de relação entre os europeus e os índios na época (marcada por imposição cultural, aculturação, genocídios, exclusão social, entre outros aspectos) se reflete no conteúdo nas crônicas deixadas. Foram encontrados, por exemplo, cerca de 40 nomes (num período de três décadas) de chefes e pajés, índios alçados à condição de “personalidades”, o que nos mostra com quanto desprezo era tratado o índio enquanto indivíduo.
De acordo com o autor, o dicionário “espera vir ao encontro de uma demanda que já se faz sentir há anos, resultante do crescente interesse, não só nos meios acadêmicos e não só em nosso país, pela história indígena ou etno-história”. Na Mesoamérica e nos Andes centrais, as sociedades eram complexas e detinham o processo de escrita, podendo assim preservar suas tradições históricas e míticas. Já no Brasil, com a ausência de registros escritos que atendessem aos requisitos da historiografia tradicional, criou-se o consenso de que aqui havia povos “sem história”. Contudo, essa visão está mudando e os descendentes desses povos estão ganhando mais consciência étnica, graças às condições políticas e ideológicas mais favoráveis.
O autor faz uma ressalta quanto ao território que ele chama de Amazônia colonial. As tribos catalogadas e seus aspectos estão compreendidos em apenas 10% do território amazônico. Isso porque, naquela época, o conhecimento dos viajantes cronistas se limitava às pequenas áreas nas margens dos rios. E além de os rios conhecidos não terem sido inteiramente navegados, a grande parte dos interflúvios permaneceu incógnita. Além disso, regiões extremas como o leste do atual Roraima e o sul do atual Amapá não foram exploradas na época. Desse modo, o dicionário é pontual, focando um período preciso (de 1540, o relato mais antigo, até a independência do Brasil, em 1822) e uma área bem limitada.
A última parte, “Economia e Sociedade”, que trata da cultura material e da organização sócio-política, dá subsídio especial a quem deseja estudar a formação das sociedades complexas. As comunidades indígenas do Brasil estavam começando a entrar num estágio mais complexo (há relatos, inclusive, de tribos com estratificação social e características teocráticas), mas tiveram esse desenvolvimento interrompido pela chegada dos europeus. Trabalho escravo, genocídios, epidemias de doenças até então desconhecidas: todos esses fatores contribuíram para a derrocada dessas sociedades.
Antonio Porro acredita que esse dicionário extrapola o interesse acadêmico e atinja uma parcela expressiva da população amazônica atual, que carrega consigo a herança genética e cultural da época.