São Paulo (AUN - USP) - Enquanto a globalização ia tomando forma, foi propagada a idéia de que o conceito de nação iria se tornar obsoleto e qualquer identidade nacional se dissiparia, dando lugar a um espírito de unidade global. Essa idéia era principalmente veiculada pelos países desenvolvidos do “Norte”, que viam nisso uma brecha para a propagação da ideologia neoliberal nos países subdesenvolvidos do “Sul”. Contudo, contrariando as previsões, o estado-nação e, conseqüentemente, a ideologia que o forma, o nacionalismo, ainda são vistos com relevância. Desse modo, uma política externa bem articulada se faz necessária, principalmente para o Brasil, que almeja uma posição central na geopolítica do futuro.
Foi a essa conclusão que chegaram os convidados de um debate sobre a política externa brasileira realizado recentemente no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP). O debate, seguido do lançamento da publicação do IEA Estudos Avançados nº. 62, cujo tema é nacionalismo, contou com Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV), Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Laura Greenhalgh, editora do caderno “Aliás” do jornal O Estado de S.Paulo e Eliane Cantanhêde, colunista política do jornal Folha de S.Paulo.
O debate visou discutir as questões contemporâneas de relações internacionais e traçar um panorama da atual política externa brasileira. Esta evoluiu muito nos últimos anos, o que foi, aliás, um ponto muito elogiado do Governo Lula. Na gestão do chanceler Celso Amorim, o aumento da importância do Brasil no cenário internacional, tanto no âmbito econômico, quanto no cultural e político, foi acompanhado por uma boa política externa. Houve a criação, por exemplo, do grupo Ibas (Índia, Brasil e África do Sul). Ele ainda ajudou a criar o G-20 (grupo dos 20 países em desenvolvimento que são grandes exportadores e importadores de alimentos). O Brasil ganhou muito mais voz na Organização Mundial do Comércio (OMC) depois desses episódios.
Para Samuel Pinheiro Guimarães, por exemplo, a política externa no Brasil deve ser vista com prioridade, afinal, o país é o 3º no Mundo em número de vizinhos, o que o obriga a saber lidar com outras nações. Ele ainda deve focar seus esforços na América do Sul, pois não é possível se desenvolver sem que seus vizinhos caminhem na mesma direção. Para Samuel, a África é outra prioridade, pois o país tem uma dívida com aquele continente desde o tráfico negreiro.
Tanto é que a África e a América Latina devem ter novo papel na política externa do Brasil que em 2007, por exemplo, as exportações foram de US$ 41,8 bilhões para América Latina e Caribe, em suma, 26,02% do total. A região, desse modo, se tornou a principal compradora do país, superando os Estados Unidos, que passaram para o terceiro lugar, com fatia de 15,76% (a União Européia vem em segundo lugar). Já para a África o Brasil exportou US$ 8,5 bilhões, um significativo montante.
O nacionalismo está ligado à identidade nacional e pessoal. Ele é a ideologia de formação do estado-nação, segundo Bresser-Pereira. Muitas vezes, o Brasil parece não ter um projeto nacional. Mas segundo Samuel, todas as nações possuem esse projeto. A diferença é que uns são mais explícitos e outros são mais discretos.
Para Cantanhêde, o Brasil, que conquista um papel cada vez mais decisivo no cenário geopolítico mundial, principalmente na América do Sul, deve voltar as suas atenções para este continente. Um bom exemplo é o papel de mediador que o país desempenhou no recente impasse entre Equador, Colômbia e Venezuela, envolvendo as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). A Venezuela, por exemplo, é um povo que busca uma identidade própria. E é nesse ambiente que floresceu o “fenômeno” Hugo Chávez. Este tem um projeto nacionalista: virar de frente para a América do Sul.
Os debatedores chegaram a um consenso: a questão nacional, tão importante no mundo globalizado de hoje quanto foi em décadas passadas, é antes de tudo uma questão social. A política externa deve gerar efeitos na sociedade brasileira. Ela não deve ser apenas um jogo de poder, com embates econômicos e políticos. Deve, sim, ser uma política que alia os interesses da população aos interesses das nações vizinhas, promovendo uma cooperação entre os países, não uma competição, fato esse que, segundo Bresser-Pereira, lamentavelmente ainda prevalece.