São Paulo (AUN - USP) - É inevitável, todos irão morrer. Alguns tentam protelar o quanto podem, outros, sem escolher, precisam encarar a iminência do fim. Os pacientes terminais e os médicos que cuidam deles são os temas da pesquisa e da vida profissional de Lucélia Elizabeth Paiva. A pesquisadora ministra o curso de extensão na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) sobre Tanatologia: educação para a morte. Segundo Lucélia, ”o médico é visto, é exaltado como todo-poderoso”, ele é treinado para sempre curar as doenças, então, a morte é vista por eles como uma derrota.
Ao se ver numa situação em que o paciente não tem cura, como no caso daqueles que têm câncer terminal, o médico não sabe o que fazer: ou encerra a sua participação na vida do paciente ou cuida para que este tenha uma qualidade de vida na sua fase final. Sem dúvidas, para Lucélia, a decisão a ser tomada deve ser a segunda.
Outro fator que dificulta a relação dos médicos com os pacientes terminais, aponta Lucélia, é a falta de comunicação entre ambos. A maioria dos médicos não escuta nem atende às reais necessidades do paciente. Mas , Lucélia completa, isso não é só um problema dos médicos “nós não estamos mais habituados a ouvir o outro, ouvir histórias”.
A pesquisadora ainda afirma que a especialização da medicina trouxe um afastamento nessa relação. Hoje em dia, existe um médico especializado para cada parte do corpo da pessoa. O indivíduo se segmentou, o médico acaba por tratar a doença isolada, e não o doente.
O lado dos pacientes
Lucélia diz que muitas vezes os pacientes lidam com a morte na solidão. A família do doente tem um papel crucial nesse sentimento: a tristeza dos familiares se torna preocupação nos pacientes.Nesse carrossel de emoções entre o paciente e sua família, recaem no médico as expectativas de cura, ou, pelo menos, de alguma melhora. Por isso, o médico é fundamental para manter a estabilidade psicológica do paciente. Ele tem que ter alguém para dividir as suas angústias e medo.
A pesquisadora, que trabalhou como psicóloga clínica durante 15 anos no Hospital das Clínicas (H.C.), diz que crianças com doenças terminais sofrem com os mesmos problemas. No caso delas, ainda há o fator agravante na dificuldade da comunicação direta. A psicóloga afirma que elas mostram mais os sentimentos e as dúvidas que os adultos, e que não têm o acolhimento para a situação. Nem familiares, nem médicos sabem como lidar com as crianças doentes. E, nessa incapacidade, elas acabam por ficar sozinhas na aceitação da morte.
Resignificação e Aceitação
Lucélia defende a clareza no tratamento para pacientes de todas as idades. Só assim, a pessoa pode encarar e aceitar o fim.Para a pesquisadora, a morte não deveria ser um assunto evitado. Deveria ser um tema discutido desde a infância. “Pensar na morte é repensar na qualidade de vida, nas relações humanas, na liberdade que temos nessa relação, e não o aprisionamento”, diz Lucélia.
A morte traz a resignificação da vida. É na iminência da morte que se pensa sobre as escolhas (boas e ruins) feitas, sobre as pessoas que fizeram diferença e sobre o que se fez para, também, fazer a diferença.Apesar de os cursos de Medicina apresentarem tentativas de mudança, como o da FMUSP ao oferecer o curso de tanatologia, a Medicina (e a sociedade) ainda não está pronta para colocar a morte como parte da vida, e não, apenas, como o fim dela.