São Paulo (AUN - USP) -Que banhos demorados e o uso desmedido e irresponsável da água só avolumam o problema da escassez desta, isto parece um tanto óbvio. Que as implicações futuras disto serão decisivas para nossa sobrevivência neste mundo, idem. Mas a grande virada de raciocínio contida no livro Geografia Política da Água, do professor da Universidade de São Paulo, Wagner da Costa Ribeiro, é entender e esmiuçar, como cerne fundamental da questão, o modelo de sociedade na qual estamos inseridos, onde a máquina de forjar desejos nos catapulta para um modelo de vida consumista e frenético.
"Podemos perceber a situação a partir de coisas simples. Veja a época de Natal, por exemplo. As crianças ganham quatro, oito, dez presentes diferentes. No dia seguinte, temos uma quantidade absurda de caixas, pacotes, usados como adorno uma vez, e jogados fora", diz Wagner, que também é Presidente do PROCAM (Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental) e coordenador do grupo de pesquisa.
O modelo de sociedade de consumo, em muito influenciado pelo American Way of Life , instala nas pessoas uma necessidade constante do novo, da troca intermitente pelo último lançamento. Ainda que este agregue apenas algumas inovações, sem as quais poderíamos viver muito bem, a questão aqui é outra. O que está em jogo é a noção de grupo, de se sentir inserido e fazer parte daqueles que possuem o que há de mais moderno. "Há um perigo iminente nesse comportamento, que é o de não entender que o processo de fabricação destes produtos também consome água, e não é pouca. Se comprarmos todas as novidades do mercado, este vai produzir mais ainda".
Outro ponto fundamental, na visão do professor, é entendermos a necessidade de políticas públicas que interfiram na discussão, de modo a não nos tornarmos reféns do chamados "senhores da água". A partir do momento em que o Estado não cumpre seu papel, já que o saneamento é caro, a iniciativa privada toma conta, o que é, diga-se, permitido por lei. "Essas empresas vêem a água como mercadoria, e em certos lugares do mundo, como algumas comunidades da África do Sul, o abastecimento só se dá se a pessoa tiver um cartão. Acredito que meu livro não esteja sozinho nesta discussão, que é crucial. Em Salamanca está acontecendo nesse momento uma convenção sobre recursos hídricos, o que mostra que há uma convergência de idéias, de interessados em debater essa questão".
Mas Wagner, por fim, se mostra surpreendentemente otimista. O crescente interesse dos jovens e a maior freqüência com que o assunto vem aparecendo no cenário político são, para ele, mostras de que uma tomada de consciência virá em longo prazo: "Sou professor há muitos anos, e percebo com felicidade essa mudança de postura. Até mesmo Barack Obama (candidato democrata à presidência dos EUA) tem abordado a questão da água em seus discursos. Hoje mesmo, recebi duas alunas que pretendiam fazer iniciação científica conosco, só que nossas vagas já estão esgotadas. Estudantes de áreas tão distintas como Comunicação, Física e Psicologia vêm nos procurar. É algo que, há 20 anos atrás, não acontecia", finaliza.