São Paulo (AUN - USP) -“Foi um baque!”, comenta o ator estreante e estudante de Psicologia sobre o resultado da seleção que lhe deu seu primeiro papel em um longa-metragem. A exclamação, no entanto, foi um momento raro durante a entrevista. José Geraldo vive os efeitos da ‘lente de aumento’ colocada sobre aqueles que aparecem na grande tela com serenidade. “A vida continua, não muda tanto assim; por enquanto, não me chamaram pra fazer nenhuma novela”, brinca.
Mas o ator concorda que o sucesso é, sem dúvida, um grande incentivo para continuar ‘na luta’, sobretudo, depois da estréia em Cannes em maio deste ano. Ao falar sobre a exibição do filme no festival internacional na França, Zé Geraldo deixa transparecer a emoção de ver um sonho realizado, pois foi quando o elenco assistiu à produção pela primeira vez, após cerca de seis meses de trabalho. O esforço foi recompensado com o prêmio de melhor atriz à Sandra Corveloni, que interpreta a empregada doméstica Cleusa na trama.
Tanto entusiasmo poderia ser motivo para telefonar até aos amigos dos amigos para divulgar as boas novas, e foi justamente o que Geraldo não fez. O ator só mandou e-mails anunciando o longa para os contatos de sua lista meses depois, na semana do dia 5 de setembro, quando estreou no Brasil. Havia agido da mesma forma ao saber que fora escolhido para a trama, que narra o cotidiano de uma família na periferia de São Paulo, no começo de 2007. “Não contei pra quase ninguém, porque muita gente ‘especulando’ poderia atrapalhar a preparação do personagem”, conta.
O período de preparação, antes dos ensaios, foi um dos maiores desafios para ele, pois foi um tempo de “espera”, em que os papéis ainda não estavam totalmente definidos. Não era certo se o personagem Dinho, evangélico e o mais velho dos quatro filhos de Cleusa, seria interpretado por Geraldo ou Jõao Baldasserini, porque este aparentava mais idade. “No fundo, a gente sabia que eu seria o evangélico e ele (João) seria o motoboy (o Denis)”, revela Geraldo, que compartilhou os primeiros momentos de preparo com Baldasserini, na Escola de Artes Dramáticas (EAD) da Universidade de São Paulo (USP), onde ambos estudavam.
Um segundo desafio foram os ensaios em si, pois os atores precisaram aprender a se “desarmar” para aceitar críticas e mostrar o que era essencial para os personagens. “Isso mostra o que de mais bonito existe nas pessoas e é o resultado do trabalho da Fátima Toledo (preparadora do elenco)”, ressalta Geraldo. Foi também nesse período, de dois meses, que as relações entre os membros da equipe, que interpretaria uma família, se formaram em “um ambiente de muita cumplicidade”, segundo ele.
A convivência possibilitou que os atores se conhecessem tão bem, que chegaram até a se desentender, como membros de uma família de verdade. Em uma entrevista publicada no site “Cineclick”, Sandra Corveloni fala de alguns ‘choques’ que teve com Geraldo durante os ensaios. Para o ator, até mesmo esses episódios tiveram resultados positivos, pois aproximaram os dois. “Eu e a Sandra somos muito parecidos”, conta.
Além de conhecer novos colegas de profissão, Geraldo entrou em contanto com diferentes ‘universos’ existentes na mesma cidade que, muitas vezes, não sabem da existência um do outro. O ator conta que antes de começar a freqüentar um templo evangélico para construir seu personagem, estudou a religião até se livrar dos preconceitos de quem só conhece os ‘crentes’ com base no senso comum. “Não fui ali para fazer uma pesquisa, fui viver aquilo”, diz a respeito de sua experiência nos cultos religiosos.
A abordagem do evangelismo no filme não prioriza aspectos polêmicos da postura de igrejas dessa religião na sociedade. A fé é o que suscita os questionamentos do personagem Dinho em relação a si mesmo e ao mundo.
Esse tipo de questionamento não é novidade para Geraldo, em vias de se formar psicólogo pela USP. “Acho que todo psicólogo está aqui para resolver sua própria vida, e é o melhor que ele pode fazer, para que possa ajudar a outras pessoas”, opina. Além disso, a experiência com a psicologia ajuda na hora de atuar, pois exercita a sensibilidade em relação às emoções dos outros e “permite que você saiba o que dizer ou fazer para ajudar uma pessoa a entrar na cena, por exemplo”, diz o ator.
Ele parece ser o exemplo de como psicologia e atuação podem se misturar. Depois de cursar dois anos da Faculdade de Psicologia, trancou o curso e ingressou na EAD, onde estudou por outros dois anos e participou de alguns curtas-metragens e peças teatrais; então, resolveu voltar à Psicologia, e perdeu a possibilidade de concluir o curso de Arte Dramática, pois excedeu o prazo máximo de trancamento de matrícula, que é de dois anos. Agora, sua estréia no cinema chega junto ao diploma de psicólogo. Geraldo afirma que não pretende largar a profissão em que se forma tão cedo, mas percebeu que ‘a sua’ mesmo é a atuação. E nesse clima de auto-conhecimento, vai descobrindo sua maneira da estrear.