São Paulo (AUN - USP) - Um dos projetos do Centro de Estudos da Violência (CEV) busca investigar o chamado “funil da justiça”. Nas palavras da coordenadora do projeto, Wânia Pasinato Izumino, “pretendemos fazer um estudo sobre a impunidade no município de São Paulo, investigar o que acontece com um crime depois que ele é denunciado à polícia. Vamos acompanhar o percurso desde o boletim de ocorrência; queremos avaliar o funcionamento da justiça como um todo.”
Uma denúncia deveria seguir três níveis: boletim de ocorrência (BO); inquérito, em que ocorre investigação e justiça, em que ocorre processo e julgamento. Uma amostra de cada etapa será selecionada a fim de conhecer o que movimenta este fluxo e se há relação com critérios como raça, gênero ou renda. “Queremos saber até que ponto estas questões subjetivas influenciam a decisão final”, afirma Wânia.
O alvo da pesquisa são crimes como furto, roubo, estupro, homicídio, tráfico e uso de entorpecentes, além de graves violações aos direitos humanos. “O homicídio é o grande foco.” Quando há graves violações, envolvendo a polícia ou grupos organizados, o processo é mais moroso que o normal, “é lento, com falhas e lacunas”. Se as pessoas envolvidas se conhecem, como no caso de crimes passionais ou entre vizinhos, as decisões são mais rápidas.
Atualmente, a equipe trabalha com 15 delegacias do município de São Paulo, mas todas as 93 serão pesquisadas. São estudados livros de registro de boletins, pois permitem conhecer número do processo, crime, natureza da autoria (conhecida ou desconhecida), o tipo (atentado ou consumado), e procedimento adotado: se o BO foi encaminhado - no caso de estupro, se a vítima aguardou por representação - ou se foi arquivado. Sabe-se que a natureza e o tipo do crime são determinantes para a instauração do inquérito.
Depois de estudar os BOs, eles passarão aos inquéritos policiais e, assim, contabilizarão o quanto do total registrado é encaminhado. “Pelos dados oficiais publicados, esta percentagem está em torno de 10%, exceto homicídio, que tem que ser instaurado inquérito. Vamos poder dizer com certeza se é mais ou menos de 10%.” Depois, estes dados serão inseridos em uma base informatizada para criar um banco de dados que permita cruzar informações.
Os documentos pesquisados são de 1991 a 1997, pois este é um período histórico razoável para se comparar e acompanhar mudanças na sociedade. Foi cogitado iniciar o estudo em 1987, mas registros e BOs só são arquivados por 5 anos e depois são incinerados. Fechou-se em 1991, mas mesmo assim é difícil. “Talvez tenha de se reduzir o período ou acompanhar o percurso mais a frente, pelo inquérito”. Mas ao reduzir o período, há o problema da morosidade: há casos de 1995 que ainda estão em conclusão e processos de homicídio de 1991 que se estendem até hoje, já que este crime leva 20 anos para prescrever.
Quando os dados obtidos estiverem mais consolidados, eles serão divulgados para operadores do direito policial e juízes. A meta é sensibilizá-los com esta informação mais sistematizada, a qual muitos deles não tem acesso, já que cada um tem conhecimento fragmentado e não uma visão do todo. E esta sensibilização pode ocorrer até mesmo individualmente, pois o objetivo é propor reflexões. “A gente não consegue mudar, mas consegue provocar mudanças. Às vezes muito pequenas, às vezes muito demoradas, mas a gente sabe que provoca mudanças. E é isso que a gente quer.”