São Paulo (AUN - USP) -Dois restaurantes similares localizados um em frente ao outro competem para atrair consumidores. Em um deles, longas filas de espera por uma mesa se formam diariamente; no outro, os serviços prestados são iguais, a diferença de preços é quase mínima e, mesmo assim, na maior parte do tempo sobram lugares vazios. Qual a razão para a polarização da demanda em um dos restaurantes? Por que o restaurante mais popular não sobe seus preços para reduzir as filas e aumentar seus lucros?
Esse caso foi observado em Palo Alto, Califórnia, e serviu de inspiração para o estudioso Gary Becker, prêmio Nobel em Economia, explicar o comportamento da demanda de dois estabelecimentos comerciais quase idênticos que brigam pela atenção de clientes que são suscetíveis as decisões de consumo uns dos outros. Buscando contribuir e ampliar a explicação de Becker para tal fenômeno, Fernando Pigeard de Almeida Prado, do Departamento de Física e Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do campus de Ribeirão Preto da USP, realizou um estudo sobre o tema em colaboração com Vladimir Belitsky do Instituto de Matemática e Estatística (IME). Seu artigo foi apresentado recentemente na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) em seminário organizado pelo professor Gilberto Tadeu Lima.
Elaborado em 1991, o modelo usado por Becker para explicar o fenômeno baseia-se na existência de "interações sociais positivas entre consumidores", o que significa dizer que eles tiram maior proveito do consumo de certos bens quando o mesmo é consumido na companhia de seus pares. Ele argumenta que o aumento de preços por parte do estabelecimento com excesso de demanda pode não somente reduzir o excesso, mas também cortar um número adicional de visitantes que costumam freqüentar o local justamente por sua popularidade. Uma vez consciente deste fato, o restaurante com demanda excessiva não aumenta seu preço para além de um valor crítico.
Em seu trabalho, Pigeard estudou a evolução da divisão de mercado entre dois estabelecimentos que concorrem por consumidores suscetíveis uns aos outros. Segundo ele, a polarização de demanda observada pelo economista dos EUA ocorre devido a uma alta similaridade entre produtos (restaurantes, no caso descrito).
A conclusão não apenas sugere uma interpretação diferenciada do fenômeno, mas estende a explicação de Becker para a existência de dois tipos de segmentos de mercado: um caracterizado pela aproximação de seus concorrentes e outro, por seus distanciamentos. Entende-se aqui "aproximação" e "distanciamento" tanto no sentido geográfico como no sentido de um grau de similaridade entre produtos.
Pigeard explica porque os restaurantes observados pelo norte-americano são próximos entre si, isto é, similares e geograficamente próximos: "Como a suscetibilidade social entre consumidores de restaurante é suficientemente alta, as firmas optam por localizar seus produtos próximos uns aos outros a fim de polarizarem a demanda a seu favor. Apesar de haver frustração por parte do estabelecimento sub-demandado, o lucro esperado médio (antes da polarização da demanda) é maior para ambos os concorrentes quando estes se aproximam ao invés de se distanciarem. A situação se inverte completamente quando o nível de suscetibilidade social entre consumidores é suficientemente baixo. Neste caso, os concorrentes tendem a se distanciarem. Exemplos de mercados com alta suscetibilidade social entre consumidores são bares e restaurantes; exemplos de mercados com baixa suscetibilidade social são farmácias e postos de gasolina. No primeiro caso, consumidores se interessam em interagir socialmente nos estabelecimentos; no segundo, eles estão interessados simplesmente em acessar o produto subjacente (por exemplo, analgésico, gasolina). No primeiro caso, as firmas concorrentes se aproximam para desfrutarem de uma diferenciação social de produto; no segundo, elas se distanciam para desfrutarem de uma diferenciação geográfica".
"De fato não existe uma Vila Madalena de postos de gasolina", afirma Pigeard. "Caso existisse, não haveria diferenciação de produto, isto é, o produto composto 'gasolina e seu ponto de entrega' seria praticamente o mesmo em todos os postos. O consumidor optaria pelo posto de gasolina que oferecesse o menor preço, o que teoricamente levaria o lucro dos concorrentes a zero". Em vista deste quadro de baixa suscetibilidade social é de se esperar que postos de gasolina necessariamente se distanciem uns dos outros. Já o mesmo não se pode dizer de bares e restaurantes.
O professor também destaca a popularidade das Havaianas, exemplo que revela um quadro de alta suscetibilidade social emergente entre consumidores (muitos querem porque muitos usam). Segundo Pigeard, este quadro força a proximidade de concorrentes, como a sandália de dedo similar Ipanema. "Neste contexto, é interessante observar que o slogan das Havaianas seja, na verdade sempre foi, 'não aceite imitações, legítimas (populares) só Havaianas'", salienta.
O uspiano acaba de resumeter seu artigo sobre o tema ao Journal of Economic Behavior and Organization após alguns pedidos de modificações por parte dos referees da revista. Pigeard também apresentou o mesmo estudo no International Conference on Economic Science with Heterogeneous Interacting Agents 2008 que ocorreu em Varsóvia, Polônia.
Para mais informações, entre em contato com Fernando Pigeard pelo e-mail pigeard@ffclrp.usp.br.