São Paulo (AUN - USP) -Cinco milhões de crianças brasileiras, entre 5 e 17 anos, estão alocadas em atividades perigosas no setor informal da economia: o trabalho doméstico, a exploração sexual comercial, o tráfico e plantio de entorpecentes, o trabalho na agricultura familiar e o trabalho informal nas regiões urbanas. Esses números são da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e refletem um quadro preocupante: a dificuldade de se mensurar as conseqüências danosas do trabalho infantil perigoso sobre a saúde dos jovens cidadãos, pois seus agravos, na maioria dos casos, só ocorrem na idade adulta.
Visando a investigar os efeitos do trabalho infantil sobre o estoque de saúde dos brasileiros, Marislei Nishijima, doutora em Teoria Econômica pela USP e professora na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) no curso de Gestão de Políticas Públicas, em parceria com André Portela Fernandes de Souza, da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), estão desenvolvendo um estudo sobre o tema cujo resultado parcial foi apresentado recentemente em seminário organizado pelo professor Márcio Nakane na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA).
Para estimar as conseqüências do trabalho infantil sobre o estado de saúde dos adultos do país foram utilizadas as PNADs (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios) de 1998 e 2003 do IBGE (Instituto Nacional de Geografia e Estatística) e as estatísticas do Século XX do mesmo instituto. Marislei explica que a pesquisa considerou todos os indivíduos com idades entre 21 e 55 anos que declararam quando começaram a trabalhar.
Apesar da hipótese teórica bastante generalizada de que o trabalho na infância traz conseqüências para o indivíduo na vida adulta, poucos estudos empíricos do tipo são realizados para verificar sua ocorrência. Segundo a pesquisadora da USP, a conclusão mais fundamental de seu estudo é que “a entrada precoce no mercado de trabalho, independente do tipo de atividade, afeta negativamente a saúde dos adultos de maneira direta bem como de maneira indireta através da perda de anos de estudo (educação) associada ao trabalho infantil”.
Marislei diz que essas conseqüências para a saúde do indivíduo são sub-avaliadas nas estatísticas oficiais, pois seu agravamento só ocorre na vida adulta. “Esta dificuldade temporal de avaliação torna mais difícil o delineamento de políticas públicas de saúde que sejam capazes de tratar o problema de maneira mais objetiva”, afirma.
Nesse sentido, a relação empírica entre saúde, nutrição e desenvolvimento econômico nos países em desenvolvimento ainda pouco investigada é um grande problema. Ela conta que, no Brasil, as informações sobre saúde são auto-reportadas na PNAD, trazendo distorções de subjetividade individual na avaliação.
“Os mais ricos, por exemplo, atribuem-se um estado de saúde pior que os mais pobres, já que possuem mais acesso aos bens de assistência médica. Em particular, dada a grande desigualdade social do Brasil, o indicador de doença crônica, como diabetes, só é reportado quando o indivíduo tem o diagnóstico. Assim, se a pessoa é muito pobre, a probabilidade de conhecer seu diagnóstico e reportá-lo numa pesquisa é pequena quando comparada a de um indivíduo de classe média empregado no setor formal da economia. Deve-se considerar também que os homens brasileiros usam menos serviços de saúde do que as mulheres, sendo provável que conheçam menos seus diagnósticos do que elas”, explica Marislei.
A professora afirma que tais resultados sugerem o quanto seria importante obter informações de exames clínicos e antropométricos (informações não auto-reportadas na PNAD) para o conhecimento dos efeitos na saúde dos indivíduos.
Embora haja problemas, ela destaca que isso não invalida a análise feita, pois as possíveis distorções do uso de informações de saúde auto-reportadas foram consideradas. Além disso, o que se sabe sobre a oferta de bens de assistência médica na época em que o indivíduo era criança, para determinar seu estoque de saúde na infância, se mostrou estatisticamente significativo, o que permitiu concluir que a saúde dos adultos é afetada quando entram precocemente no mercado de trabalho.