ISSN 2359-5191

23/10/2008 - Ano: 41 - Edição Nº: 111 - Economia e Política - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
Apesar da crise, mercados continuam importantes para o desenvolvimento mundial

São Paulo (AUN - USP) -Apesar da crise que vem abalando o sistema capitalista nos últimos dias e que pode mergulhar o mundo numa grande depressão, os mercados financeiros continuam sendo importantes para o desenvolvimento econômico. Essa é opinião de Carlos Eduardo Soares Gonçalves, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, apresentada recentemente em debate organizado pelo Centro Acadêmico Visconde de Cairu (CAVC) que reuniu docentes da unidade para discutir o tema.

Gonçalves explica que os mercados financeiros são de extrema importância para o desenvolvimento e para a redução da desigualdade de renda em razão de três papéis fundamentais que executam. Um deles, é juntar poupadores anônimos espalhados ao longo da economia com pessoas que precisam de recursos para investir.

“Vamos supor que eu tenho um bom projeto de investimento, mas não possuo fundos próprios. Por isso, vou no sistema bancário, quando ele funciona bem, pego dinheiro emprestado, invisto em alguma coisa produtiva, lucro, pago o banco e ele, por sua vez, repaga quem me emprestou os recursos em última instância que foi o poupador da outra ponta que não teve oportunidade de investimento interessante ou que não quis ser um investidor. Assim, a 1ª função é fazer essa ligação”, exemplifica Gonçalves.

A 2ª função do sistema financeiro, diz ele, é monitorar o empréstimo, ou seja, o banco, via análise de crédito, de projeto de investimento e de rentabilidade, aloca os recursos do pequeno poupador de uma maneira eficiente na economia.

Já o terceiro papel do mercado é a pulverização de risco. “Suponha que tenho o dinheiro para tocar meu projeto de investimento para frente, mas não quero botar todos os ovos na mesma cesta. Então, pretendo diversificar risco. Para isso, emito ações e parte desse risco vai ser carregado por outras pessoas. Quando todo mundo carrega um pouco de risco, fica mais fácil levar o investimento adiante”.

Nesse sentido, há evidências empíricas de que mercados financeiros bem desenvolvidos ajudam, de fato, no crescimento da economia. Entretanto, não há provas de que a liberalização dos fluxos de crédito traz desenvolvimento econômico. “Historicamente, países que liberalizam suas contas de capitais estão mais sujeitos a crises e isso está na origem da turbulência que vivenciamos atualmente”, conta Gonçalves.

Origem da crise
O professor da FEA afirma que a crise financeira que atinge as Bolsas de Valores se originou depois da recessão que ocorreu nos EUA entre 2001 e 2002 – causada basicamente pelas crises de governança corporativa e pelos ataques de 11 de setembro. Naquela época, o presidente do Federal Reserve (Banco Central americano) Alan Greenspan, baixou as taxas de juros para aquecer a economia.

“Ele derrubou os juros de 6% para 1% rapidamente. A questão é que depois de baixá-los numa dose grande, os deixou assim por muito tempo. Com isso, os bancos começaram a emprestar dinheiro para devedores que na margem tinham menos probabilidade de pagar [subprime], ou seja, pessoas com histórico de crédito ruim. E aí falhou a regulamentação”, diz.

As instituições bancárias refinanciavam hipotecas e ainda davam aos mutuários uma diferença em dinheiro para consumirem. A fim de captar recursos e receber antecipadamente o valor das operações realizadas, os bancos venderam aos investidores títulos lastreados nessas hipotecas. Por sua vez, os investidores emitiram seus próprios títulos lastreados nesses papéis e os espalharam por todo o sistema bancário. Uma bola de neve se formou.

Dessa forma, os mercados financeiros foram apossados por um “perigo moral” [moral hazard], isto é, os banqueiros pegaram dinheiro do investidor e emprestaram com a garantia de que em última instância, caso tudo desse errado, o governo iria salvar a todos. “A idéia é a seguinte: se os bancos ganhassem muito com esses empréstimos arriscados do subprime, pegariam boa parte do dinheiro e pagariam aquela taxa de juros baixinha para o poupador [o rendimento]. Já se perdessem, o que ocorreu, diriam ao poupador que não poderiam pagá-lo. E por que o poupador não monitorou as ações do banco em que colocou seu dinheiro? Porque se ele tiver expectativas de que o governo, no final das contas, vai ajudar os bancos mesmo numa crise de crédito, tem menos incentivos para fazê-lo”, afirma Gonçalves.

Como não houve regulamentação e os juros reais estavam extremamente baixos, empréstimos arriscados foram feitos. Os bancos ficaram razoavelmente tranqüilos, pois se o devedor não pagasse a dívida, teriam o imóvel como garantia. No entanto, com o aumento da inflação, o Banco Central americano subiu os juros e quem tomou empréstimos a taxas variáveis começou a ter dificuldades para pagar as prestações e calotes foram dados.

“Quando os juros subiram, os preços dos imóveis caíram e a garantia dos bancos também. Em vez de pagar as dívidas, as pessoas preferiram entregar suas casas. Assim, o banco que tinha uma dívida passiva enorme dos empréstimos que fez, recebeu como colateral um imóvel com valor muito menor. Aí as instituições bancárias começaram a ter dificuldades e cortaram crédito. Em suma, juros reais muito baixos casados com fraca regulamentação deram origem à crise. A grande depressão de 1929 é um exemplo clássico disso. Os bancos pararam de emprestar, a economia desacelerou e o que vimos foi um colapso catastrófico”, completa o especialista.

Reflexos no Brasil
Para Gonçalves, o Brasil está bem preparado para enfrentar a turbulência financeira que atinge o planeta. Segundo ele, o fato de nossa dívida pública ser menor, de termos uma melhor política fiscal, um superávit primário mais elevado e US$200 bilhões de reservas internacionais ajudará a economia brasileira nesse cenário de crise. No entanto, das medidas tomadas pelo Governo Federal até agora, o professor da FEA crê que faltou a mais importante: o aumento da poupança pública [quanto o governo arrecada menos os custos dos gastos correntes].

“Eu defendo isso, pois o principal canal de transmissão dessa crise para o Brasil será via crédito. Nossa taxa de poupança doméstica é relativamente baixa. Até agora financiamos a arrancada do investimento produtivo com dinheiro vindo de fora. Só que a redução de crédito externo vai causar a falta de recursos que sustentam nossa economia”, diz.

A proposta do governo para repor esse financiamento tem sido aumentar os canais de empréstimo público usando o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Tal medida é criticada por Gonçalves, pois significa “tirar dinheiro dos pobres para dar aos ricos”. “Essa é uma resposta equivocada à crise. A resposta certa é aumentar a poupança pública. Assim, precisaremos de menos recursos externos para financiar a produção”, explica.

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