São Paulo (AUN - USP) -O desenho da atual Constituição brasileira permite que o Executivo e o Judiciário exacerbem seus poderes e avancem sobre o Legislativo. Esse é o principal aspecto que uma reforma política deve tratar. A conclusão é de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, professor aposentado da Faculdade de Direito da USP. Ele cedeu entrevista ao AUN antes de fazer a abertura do 17º Encontro Nacional de Direito Constitucional, cujo tema é os vinte anos da Constituição Brasileira.
Segundo Ferreira Filho, o Executivo é o poder que tem maior destaque entre os três porque nele foram concentrados muitos papéis. Além dos tradicionais cargos, como chefe de Estado e Chefe de Governo, ficaram também sob seu controle os comandos da Economia e do “colchão social”, como a Previdência e o SUS. Isso faz o presidente parecer “uma espécie de providência aos mais pobres, um santo milagreiro”, completa. Contribui também para esse fator, atualmente, a existência de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família.
O professor diz que outro fato que garante a supremacia do Executivo é o excesso na utilização das Medidas Provisórias, um instrumento usado em sistemas de governo parlamentaristas, o que não é o caso do Brasil. Acontece que, em 88, toda a Constituição foi construída visando o parlamentarismo, sendo que só no último momento ele foi trocado pelo presidencialismo. As MPs seriam uma “excrescência” dessa troca apressada que dá ao Chefe do Executivo o poder de editar medidas que têm força de lei.
Outro poder que viu sua atuação crescer foi o Judiciário, principalmente nos últimos tempos. Simbolizado pelo STF, ele pode, por exemplo, impelir o Executivo a implementar políticas públicas que estejam previstas na Constituição, modificar a interpretação da mesma e, mais recentemente, até legislar de fato, como o faz quando edita as chamadas Súmulas Vinculantes, caso das recentes súmulas das algemas e do nepotismo.
Reforma
Para o professor, o Legislativo está fenecendo não apenas devido à intromissão dos outros poderes, mas também por culpa própria. Ele cita a grande crise de credibilidade pelo qual ele passa, o que envolve desde os escândalos de corrupção dos parlamentares até às várias CPIs que não dão o resultado esperado pois investigam atos criminosos que o congresso não pode punir. Hoje, “ele (o Legislativo) não é mais a fonte de legislação”, sintetiza.
Questionado sobre o que uma possível reforma política deve discutir, ele defendeu a resolução de questões que mexem diretamente com esse equilíbrio perdido entre os poderes, como uma definição do sistema de governo a ser adotado, a reforma eleitoral e partidária, a questão do financiamento de campanha, o real papel do Estado na regulação da economia, entre outros. No entanto, ele rejeita as tentativas anteriores de se fazer uma reforma política, como a que ocorreu no ano passado. Para ele, ela só foi levantado porque “traria vantagens aos políticos já estabelecidos”.