São Paulo (AUN - USP) - As regiões de avanço da fronteira agrícola da cafeicultura paulista apresentavam melhores condições de remuneração pelo trabalho. É o que mostra um estudo realizado pelo professor Rogério Naques Faleiros apresentado recentemente na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP. Segundo ele, as regiões de fronteira eram mais atraentes ao trabalhador, pois lá se praticavam, mais comumente, remunerações em dinheiro pela formação de uma lavoura de café. Mesmo assim, as relações de trabalho estabelecidas eram mais deletérias aos colonos do que se supunha.
Tendo por objetivo descobrir a que tipo de relações de trabalho as pessoas que se dirigiam para as novas áreas de expansão da cafeicultura foram submetidas, Faleiros consultou 2047 escrituras de formação ou trato de café lavradas nos Livros de Notas dos Cartórios dos municípios de Campinas, Rio Claro, Ribeirão Preto, Franca, São Carlos, Araraquara, Botucatu, São Manuel, Jaú, Novo Horizonte, São José do Rio Preto, Catanduva, Lins e Pirajuí, entre 1917 e 1937, período no qual em virtude da intervenção governamental no mercado cafeeiro (as defesas do café) e da existência de uma legislação altamente vulnerável no que se referia à apropriação de terras em grande escala nas zonas novas (Araraquarense, Noroeste e Alta Sorocabana), verificou-se um rápido processo de expansão da fronteira agrícola no Estado de São Paulo.
Nestes livros se encontravam escrituras dos mais variados tipos: compra e venda de imóveis urbanos e rurais, e escravos em época mais remota, doações, cessão de crédito (destacadamente hipotecário), escrituras de compra e venda de café, empreitadas de construção de prédios e casas na cidade, atas de eleições, testamentos, adoção de menores, liquidação de débitos, reconhecimento de dívidas e contratos de formação de sociedades agrícolas ou industriais.
“Fazendeiros e trabalhadores lavravam escrituras por uma série de fatores: a) desconhecimento ou desconfiança entre as partes; b) tentativa de 'segurar' a mão-de-obra na propriedade, mediante registro de multas, cauções e garantias em contrato; c) necessidade de uma melhor definição dos termos de contrato, tais como o plantio intercafeeiro; d) definição, a priori, das cláusulas que definiriam o estabelecimento da cobrança de taxas pelo transporte e beneficiamento da produção dos trabalhadores; e) pré-fixar salários num contexto de crescente demanda por trabalho e f) garantir ao proprietário o direito de fiscalização das tarefas”, explica o pesquisador em seu paper.
De acordo com Faleiros, os contratos firmados tornavam-se instrumentos de opressão dos trabalhadores, visando minimizar as possibilidades de abandono da lavoura e garantir ao fazendeiro uma série de direitos unilaterais.
“As escrituras cartoriais pesquisadas indicam para o fato de que a remuneração pelo trabalho estava diretamente ligada ao estágio de desenvolvimento da cafeicultura em cada um dos municípios selecionados, sendo os contratos mais atraentes para os trabalhadores aqueles que versavam sobre a formação de lavouras nas zonas de fronteira”, diz.
Para se ter uma idéia, em Campinas, município de cafeicultura antiga na década de 20, em apenas 10% dos contratos estavam previstos pagamentos em dinheiro. Se considerarmos as 2047 escrituras pesquisadas, 33,5% previam salários monetários.
“Fora recorrente, no entanto, em todos os casos pesquisados, a despeito da igualdade de condições pressuposta pelas escrituras cartoriais, o estabelecimento de relações de trabalho amplamente marcadas pela desigualdade, pois os fazendeiros colocavam em prática estratégias de brutal exploração da força de trabalho (imigrante e nacional), tanto reduzindo os custos monetários da produção quanto controlando boa parte dos excedentes comercializáveis produzidos pelos colonos, que desfavoravelmente transacionavam sua produção cafeeira e alimentícia com os fazendeiros e comerciantes na ocasião das colheitas. Aos colonos também eram impostas taxas de utilização do maquinário para beneficiamento, dos terreiros de secagem dos grãos, das tulhas para armazenagem e dos meios de transporte (carros), de modo que a modernização da estrutura de produção das fazendas de café, ocorrida a partir do final do século XIX, intensificou o grau de exploração do trabalho 'livre' impondo uma ordem altamente excludente no cenário rural brasileiro”, destaca Faleiros.