São Paulo (AUN - USP) -A colonização dos países que hoje se encontram na periferia do mundo capitalista não foi um processo meramente exploratório. Foi, acima de tudo, uma forma sistematizada de imposição e difusão da cultura européia pelo planeta, o que proporcionou uma supremacia sobre as ex-colônias que ainda se faz presente na produção de conhecimento. Segundo a professora alemã Alexandra Karentzos, o fato de a teoria pós-colonial ainda ser baseada no observador eurocêntrica perpetua uma visão hierarquizada da periferia.
Em palestra proferida no Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC-USP), a professora da Universidade de Trier, pôde explicar a necessidade de superar esta perspectiva eurocêntrica/angloamericana, pelo menos integrando aos discursos acadêmicos aspectos referentes à construção de teorias e produções artísticas dos países que outrora foram territórios das grandes potências mundiais.
Alexandra Karentzos cita o caso do conceito de antropofagia cultural, originário do Brasil, como tendo potencial para uma reflexão acerca das relações de poder coloniais. O canibalismo sempre foi uma prática abominada pelo mundo “civilizado”, e foi usado como um poderoso instrumento colonialista para exemplificar a crueldade das culturas denominadas “primitivas”. No entanto, para estes povos, o fato de servir de alimento para uma pessoa (ou várias), significava que o indivíduo possuía bons atributos, como coragem e força, que seriam transmitidos àqueles que provassem da sua carne. Aproveitando-se disso, seguindo uma proposta do escritor Oswald de Andrade, em seu Manifesto Antropófago (1928), artistas brasileiros se apropriaram de um conceito de legitimação das estratégias colonialistas e transformam metaforicamente a antropofagia, passando a devorar a influência européia e adequá-la a uma identidade brasileira autônoma. Posteriormente, esta posição irônica viria a dar origem ao movimento que ficou conhecido como Tropicalismo.
O movimento antropofágico brasileiro ainda propõe outras formas de escapar das correntes culturais européias. O Manifesto Antropófago de Andrade propõe o carnavalesco como forma de libertação, que, de acordo com a docente alemã, associa-se ao conceito do carnavalesco de Mikhail Bakhtin. A favor da reversão das hierarquias, o lingüista russo descreveu o carnavalesco como uma maneira de mudar os sistemas existentes, sendo uma liberdade utópica que torna todos iguais.