São Paulo (AUN - USP) -2008 é o ano em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa seus 60 anos. A comemoração de um aniversário traz sempre consigo uma oportunidade de reflexão. O AUN entrevistou o professor Marcus Orione e a mestranda em Direitos Humanos Ingrid Leão, ambos da faculdade de Direito da USP, para fazer um balanço dos 60 anos da existência da carta.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948 pela recém-criada Organização das Nações Unidas, nasce no contexto do pós-guerra, uma resposta à barbárie sem precedentes que a humanidade assistiu na primeira metade do século XX. Apesar de não ter força de lei, ela é importante porque significa um movimento de internacionalização dos direitos humanos. Como resultado, muitos de seus pontos foram incorporados na legislação dos vários países, sendo ela também usada como um dos principais parâmetros a reger as relações entre Estados. Seu conteúdo generalista foi depois retomado por diversas outras declarações e convenções mais específicas, como a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher (1953), a Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), a da discriminação racial (1965) e a da tortura (1984).
Na visão dos entrevistados, a universalização dos direitos é a questão mais importante atualmente. Ingrid crê que essa universalização seja o maior desafio que a carta enfrenta, principalmente no tocante a questão da igualdade. Segundo ela, o grande limitador da igualdade ainda é a discriminação, seja ela racial, econômica ou de qualquer outro tipo. O professor Orione, por outro lado, afirma que o direito à propriedade foi o mais assegurado de todos, pois é essencial para o funcionamento do sistema econômico dominante.
Ambos citaram a invasão norte-americana do Iraque como uma forma deturpada de se utilizar dos direitos humanos. Ingrid considera que, neste caso, eles foram brandidos como um instrumento de dominação pelos Estados Unidos, algo completamente contrário ao seu espírito. Para Orione, a invasão foi pretensamente legitimada porque eles estariam levando a liberdade para os iraquianos, quando na verdade a única liberdade pretendida era a liberdade para comprar e vender, de preferência com eles (os EUA).
Segundo Ingrid, que atua também pelo CLADEM - Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, o Brasil é um país em que o reconhecimento dos direitos humanos está bastante avançado. A constituição de 88 é exemplar nesse reconhecimento, dando voz e abrigo aos nossos diversos grupos sociais, diz.
No entanto, reconhecimento não significa implementação. O povo tem que lutar para que essas leis se efetivem como políticas públicas, comenta, e isso é uma luta contínua. Ela dá como exemplo um juiz em Minas Gerais que se recusou várias vezes a aplicar a lei Maria da Penha, que busca coibir casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. O juiz, em suas decisões, comentou que a lei era "um conjunto de regras diabólicas" que colocava a família brasileira em risco, pois deixava o homem subjugado. O Conselho Nacional de Justiça já estuda medidas para punir o juiz.