ISSN 2359-5191

06/06/2009 - Ano: 42 - Edição Nº: 27 - Sociedade - Instituto de Psicologia
Sonhos traumáticos eternizam sofrimento de torturados

São Paulo (AUN - USP) - O ato desumano de torturar deixa marcas muito mais profundas do que apenas cicatrizes físicas. Em muitos casos, as vítimas são forçadas a reviver, através do sonho, o sofrimento pelo qual passaram, com assustador grau de detalhes. Quando isso acontece, o sono passa ser um transtorno e o torturado teme dormir. Em casos extremos, o psiquismo do indivíduo, preso nesse ciclo de rememoração do trauma, não vê outra saída que não o suicídio.

De acordo com o professor Paulo Endo, do Instituto de Psicologia da USP, a origem dessa constante retraumatização está na falha da mente do indivíduo em elaborar a tortura na forma de sonho. Sem essa elaboração, sonhar torna-se obrigatoriamente reproduzir, de forma literal, o trauma, numa espécie de eterno replay da experiência. Além disso, a tortura fixa-se na mente da vítima, o que impede o sonho de agir como elaboração de um desejo. Ou seja, a vítima não consegue sonhar com outra coisa que não o trauma.

Endo usa como exemplo o sonho narrado por Primo Levi, sobrevivente do Holocausto. “Estou numa campina, almoçando com toda minha família. De repente, sinto no peito uma angústia, que vai, aos poucos, aumentando. Olho em volta e tudo começa a desaparecer. Estou só dentro de um vazio cinza. Sei o que isso significa. Estou de volta ao campo de concentração e nada é verdade fora dele. Então, essa horrível realidade me assalta com uma ordem: Levantar-se!” O professor explica que o sonho dentro do sonho representa a destruição do psiquismo de Primo Levi pelo trauma. Segundo ele, num primeiro momento, o sobrevivente tem no sonho a realização de um desejo: estar feliz com a família. Logo em seguida, esse instante inicial revela-se falso, sendo substituído pela realidade da guerra. O psiquismo de Primo Levi não consegue escapar do trauma por ele sofrido e toda tentativa acaba retornando à tortura. Em abril de 1987, Primo Levi foi encontrado morto, vítima de provável suicídio.

Ainda que a psicanálise não tenha encontrado uma saída para tal situação, o próprio Endo orienta trabalhos que veem no testemunho um caminho para a superação do trauma da tortura. Essas pesquisas apontam que relatar possibilita que a vítima trabalhe a situação vivida e passe a conviver melhor com ela. Contudo, Endo aponta limitações para o testemunho daqueles que sobreviveram à tortura. ”O sonho sempre será a testemunha mais fiel do trauma. Qualquer outro testemunho será baseado nele”. O professor da Unicamp, Márcio Seligmann, também aponta uma segunda restrição: como narrar, através do testemunho, uma experiência tão irrepresentável como a de ser vítima de tortura? Sem a possibilidade de expressar verdadeiramente o trauma sofrido, o destino das vítimas de tortura parece não ser outro além de conviver com o ciclo de pesadelo que lhes é imposto pela própria mente.

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