São Paulo (AUN - USP) - Uma doença que mata em 90% dos casos sem tratamento, a leishmaniose visceral está chegando às grandes cidades brasileiras, inclusive a São Paulo. A infecção, que atingiu 3100 brasileiros só em 2007, provoca febre, fraqueza, perda de apetite, emagrecimento, anemia, aumento do baço e do fígado e até comprometimento da medula óssea, tecido líquido do interior dos ossos onde são produzidos os componentes do sangue.
A leishmaniose visceral é causada por um parasita de uma célula só, o protozoário Leishmania chagasi, descrito pela primeira vez por Evandro Chagas, nos anos 1930. O parasita é transmitido através da picada do mosquito-palha ou birigui (Lutzomyia longipalpis) a um mamífero, como um roedor, um gato, um cachorro ou um ser humano. Nele, o protozoário se desenvolve e fortalece, até causar a doença e ser retransmitido pelo mosquito-palha a outro hospedeiro [veja o ciclo abaixo].
Créditos: Folha Online
Por estar associada ao hábitat do mosquito transmissor, a leishmaniose era considerada um problema restrito às matas e às áreas rurais. No entanto, há 30 anos as autoridades públicas brasileiras vêm identificando casos da doença contraídos no meio urbano. No estado de São Paulo, o primeiro caso de leishmaniose visceral apareceu em Araçatuba, em 1999. A doença então se fixou no estado e parece vir seguindo o trajeto da rodovia Marechal Rondon (SP-300), a principal via de conexão entre o Mato Grosso do Sul e a capital paulista [mapa].
Créditos: CVE
A pesquisadora do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) Vera Lucia Camargo-Neves constatou que a cada ano o parasita avança 30 quilômetros em direção a São Paulo. Em quase dez anos, o CVE de São Paulo registrou 1.258 casos em 49 municípios paulistas e 112 mortes. Só em 2008, morreram 21 pessoas no estado devido à leishmaniose visceral.
Não se sabe ao certo os motivos dessa proliferação. O mosquito-palha nunca foi detectado em um município da Grande São Paulo, mas acredita-se que com a destruição das florestas ele está se adaptando aos centros urbanos. O parasitologista inglês Jeffrey Jon Shaw, que há 43 anos mora no Brasil estudando o ciclo de vida dos protozoários e transmissores da leishmaniose, diz que “Estamos criando ambientes propícios à proliferação do vetor, como umidade e muita comida”. Jeffrey Shaw é professor aposentado do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e pesquisador da Fundação Tropical de Pesquisas e Tecnologia André Tosello, em Campinas.
Para ele, os insetos se adaptaram aos parques e quintais das casas, comuns no interior e na periferia das grandes cidades. Diferente do mosquito da dengue Aedes aegypti, o Lutzomyia longipalpis não precisa de água parada para se reproduzir. Ele coloca seus ovos em superfícies úmidas e suas larvas que se alimentam da matéria orgânica encontrada no solo até se transformarem em insetos adultos.
Apesar de a leishmaniose visceral ter cura e de seu tratamento estar diponível no Sistema Único de Saúde (SUS), remediar é muito mais complicado e doloroso do que previnir. O tratamento é todo a base de injeções e tem ao menos 20 dias de duração. A prevenção, pelo contrário, é bem mais simples. Como o mosquito-palha só pica a partir do início da noite, o uso de repelentes e de telas de proteção em janelas e camas já reduz bastante a chance de ser infectado. Além disso, colocar coleiras repelentes de insetos nos animais de estimação, também é uma maneira eficiente de se quebrar o ciclo da doença, principalmente se o animal já estiver contaminado.