São Paulo (AUN - USP) - Uma pesquisa de Doutorado do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) descobriu uma nova ferramenta evolutiva de um dos insetos mais numerosos do planeta, as formigas. Elas têm a capacidade de procurar alimento em trilhas de mão-única, não apenas em trilhas de mão-dupla, como se conhecia. Para contornar obstáculos entre seu ninho e a fonte de alimento, as formigas constroem caminhos alternativos, unidirecionais, possivelmente guiadas pela luz ambiente.
Foram analisadas as formigas saúvas, pertencentes ao gênero Atta, nativas da América e abundantes no Brasil. As formigas Atta são conhecidas como cortadeiras, pois cortam pedaços de folhas e os carregam para seus ninhos. Seus cortes são responsáveis por um enorme prejuízo à agricultura brasileira, consumindo 10% só da produção de cana-de-açúcar. Apesar de serem uma das maiores pragas agrícolas do país, as formigas cortadeiras usam as folhas que cortam para cultivar o fungo do qual se alimentam, sendo uma das raras espécies que praticam agricultura no reino animal. Só há quatro grupos de animais que descobriram a agricultura: as formigas, os cupins, os besouros-bicudos e os seres humanos. Acredita-se que as formigas tenham um ancestral comum que começou a praticar agricultura há 50 milhões de anos. Dele, derivaram-se quatro tipos de formiga nos quais essa prática evoluiu, sendo um deles o das saúvas.
Crédito: Scipione
Autor do estudo, o biólogo Pedro Leite Ribeiro e seus colegas demonstraram que as formigas podem trabalhar em torno de diferentes obstáculos que as impossibilitem de voltar ao formigueiro por uma trilha de mão-dupla. Sem poder retornar pela mesma rota usada para alcançar comida, elas criam um novo sistema, de mão-única, tomando duas vias unidirecionais independentes entre a comida e o formigueiro.
No estudo, os pesquisadores montaram um dispositivo [veja abaixo] para ligar o formigueiro das saúvas ao local de alimento, com duas pontes incompletas. Na ida, elas tinham de cair do fim da ponte para alcançar a comida. Assim que se jogavam ao alimento e carregavam-se dele, as saúvas, impossibilitadas de pular de volta à primeira ponte, tinham de usar a segunda para voltar para casa, sendo obrigadas a cair desta também.
Este é um processo novo de alinhamento das formigas cortadeiras. Até agora, conhecia-se apenas o processo habitual, de mão-dupla, cuja rota é marcada por feromônios [substâncias químicas usadas por insetos e mamíferos com diferentes finalidades: atração sexual, demarcação de trilhas ou comunicação entre indivíduos]. Nele, as formigas devem inverter suas respostas de orientação assim que pegam uma carga de comida para levar para casa, ou assim que decidem retornar de “mãos vazias”, como frequentemente acontece. Os feromônios que elas utilizam para marcar o caminho não lhes indica a qual destino da trilha elas estão indo. Se transitam a Leste do formigueiro até a comida, elas terão de se orientar rumo a Oeste para voltar.
Para quaisquer pistas de orientação que as formigas estejam usando, é necessário tomar a direção inversa quando se decide retornar, assim como faz um velejador, um motoboy ou qualquer pessoa se deslocando por uma cidade. Entretanto, para resolver o problema criado pelo dispositivo dos cientistas, as cortadeiras estudadas tiveram de mudar o comportamento de “dar meia volta” e ir adiante para achar um novo caminho ao formigueiro.
Inicialmente, os pesquisadores acharam que as formigas podiam estar solucionando o problema com o uso de alguma substância química, mas antes de verificar essa hipótese, resolveram testá-las em completa escuridão. E as formigas falharam. Os cientistas passaram então a acreditar que as cortadeiras cancelam sua orientação reversa e usam a orientação luminosa para seguir as trilhas de mão-única.
Pedro Ribeiro afirma que ainda não dá para definir exatamente como as formigas conseguem se orientar por vias unidirecionais. “Ainda resta muito para conhecermos todas as capacidades de improvisação que essas formigas podem ter”, diz Ribeiro, “mas mostramos que as formigas têm comportamento plástico [moldável] o suficiente para criar soluções para problemas com que elas eventualmente podem se deparar na natureza”.