São Paulo (AUN - USP) - A violência cotidiana pode ser mais sutil, mas nem por isso é menos letal. O professor José Leon Crochik, do Instituto de Psicologia da USP e especialista em estudos sobre preconceito, aponta a violência que a sociedade pratica, ou tolera, no dia a dia, como tão perigosa quanto a punível por leis. Segundo ele, a justiça é, até certo ponto, eficiente em lidar com as formas mais declaradas de violência, mas deixa escapar as formas mais sutis. Como exemplo, o psicólogo cita os crimes de colarinho branco, que, apesar de lesarem diversas pessoas, raramente são punidos, graças à dificuldade de se apontar e processar um culpado.
Crochik também discute pesquisa divulgada pelo instituto Datafolha, em novembro do ano passado, que apontou uma diminuição das manifestações de preconceito “assumido” entre os brasileiros. Os dados indicam que caiu de 22%, em 1995, para 16%, em 2008, o número de brasileiros que disseram se sentirem discriminados por sua cor. “Ao mesmo tempo” – comenta o psicólogo –“observamos um aumento do preconceito não punível por lei, do tipo menos flagrante”.
Segundo o profissional, a violência sutil pode ser observada no sistema de ensino, principalmente após o crescimento das iniciativas de educação inclusiva. O objetivo desses programas é incluir alunos de “minorias” em salas normais. O professor realizou uma pesquisa envolvendo alunos com deficiências neurológicas (como a síndrome de Down) matriculados em salas de aula do ensino regular. Os resultados apontaram que tais estudantes não são “invisíveis” para os colegas, ocupando o lugar do “bode expiatório” da sala, ou seja, do aluno que é motivo de agressão e de brincadeiras dos outros colegas. Crochik fala que certos educadores consideram isso um bom sinal, afinal alunos sem deficiência também são motivo de gozação. Isso mostraria que os estudantes são indiferentes ao fato de terem um colega deficiente.
Contudo, para o psicólogo, isso é sintoma de algo muito pior que a sociedade se nega a ver. “A escola não dá conta da própria violência. Quando pensamos em políticas de inclusão, devemos pensar também a que ambiente queremos incluir essas crianças” aponta Crochik. Com as políticas de educação inclusiva, o aluno passa a habitar o ambiente escolar, sem, contudo estar inserido nele. A instituição de ensino aceita não eliminar o problema da segregação. “A parte revela o todo”, diz o psicólogo. Assim, uma escola opressiva com o deficiente só pode ser fruto de uma sociedade também opressiva. Ela, ao mesmo tempo em que oprime, nega a opressão. “Vivemos numa sociedade de fortes traços fascistas”, diz.
Apesar disso, José Crochik apresenta uma evolução naquilo que a sociedade considera como violência sutil. “Nas décadas de 40 e 50, nos EUA, era considerado preconceito não declarado afirmar que “para manter o bom aspecto de um bairro residencial, convém manter os judeus fora dele”. Hoje isso soaria absurdo”. Para o psicólogo é fundamental que sejamos capazes de compreender quais as formas de violência sutil praticadas por uma sociedade para que possamos prever a predisposição do aparecimento de certos preconceitos.