São Paulo (AUN - USP) - Os resultados econômicos e o potencial que a cana-de-açúcar brasileira tem na produção de álcool podem ter prazo limitado, segundo o professor Marcos Silveira Buckeridge, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP). Para o biólogo, esse “efeito Cinderela” possivelmente ocorrerá se o País não formular estratégias de produção ambientalmente aceitáveis, que diferenciem o álcool brasileiro do de seus futuros competidores, como ocorreu no ciclo da borracha.
Entre 1879 e 1912, empresas estrangeiras, principalmente inglesas, produziram intensamente borracha no Brasil. As principais regiões produtoras eram os Estados do Pará e Amazonas, nas quais o látex, matéria-prima da borracha, podia ser extraído em larga escala das seringueiras da Floresta Amazônica. O Brasil exportava milhares de toneladas de borracha, principalmente para as recém-criadas fábricas de automóveis norte-americanas. Entretanto, quando a economia da região Norte se desenvolveu e a possibilidade de lucrar diminuiu, os ingleses levaram a planta para a Ásia e passaram a produzi-la ali a custos mais baixos, quebrando a produção brasileira.
Será que o mesmo pode acontecer com a cana?
“Podemos pensar nessa possibilidade”, diz o professor Buckeridge, se a cana passar “a ser plantada em outros lugares no planeta onde a produção fosse similar, mas os custos de produção fossem ainda mais baratos”. Em artigo* publicado na revista Com Ciência, o biólogo argumenta que, como neste momento, o Brasil está de fato muito adiantado em biotecnologia da cana e na tecnologia de produção de álcool e, frequentemente, a imprensa divulga isso como uma possibilidade de aplacar os efeitos do aquecimento global, outros países provavelmente ficarão cada vez mais estimulados a produzirem álcool a partir de cana, como Austrália, países da África e da Ásia.
Se a tecnologia de produção do álcool estiver disponível, uma possibilidade seria os próprios empresários brasileiros migrarem a produção de cana para regiões com custos de produção (mão de obra, insumos, terrenos, impostos) mais baratos, pois a cana cresce rapidamente. Se algo assim acontecer, mais uma vez a falta de senso estratégico do Brasil o deixaria para trás na história.
O caminho do meio
Para o professor Buckeridge, a cana-de-açúcar produz “energia limpa” na medida em que ela pode amenizar o aquecimento global. Essa capacidade estaria relacionada a uma redução da queima de combustíveis fósseis [como petróleo, gás natural e carvão mineral, cuja queima para geração de energia polui e libera gases-estufa] e no potencial de seqüestro de carbono [qualquer processo que armazene carbono por um longo período em uma forma não-gasosa como a madeira, a qual não agrava o efeito estufa].
No entanto, o professor aponta que “em 100 anos, a produção de cana poderia suprir apenas cerca de 0,1% do total de carbono armazenado por um mero aumento de 10% em nossas florestas”. A cana-de-açúcar, portanto, não tem tanto potencial assim para abrandar os efeitos do aquecimento global, mas tem muito para produzir combustível limpo.
Para aproveitar isso, o caminho ideal não é aumentar indefinidamente a produção de cana, tomando áreas que hoje são ocupadas por pastagens e biomas de extrema importância [como o Cerrado e a Mata Atlântica], nem evitar sua expansão a todo custo.
“Se o Brasil resolver que seu destino é ser uma potência ambiental”, diz Buckeridge, “um caminho do meio poderia ser o escolhido [...], que consiste em produzir energia limpa sim, mas regenerar florestas ao mesmo tempo e de preferência em meio às plantações de cana produzidas com nossa alta tecnologia”.
Assim, para, nas palavras do biólogo: “evitar que nossa carruagem vire abóbora em uma hora incômoda”, o ideal é o Brasil se diferenciar tanto na produção de seu álcool, usando estratégias ambientalmente aceitáveis, como na preservação de suas florestas, da forma que atualmente tem sido feito em usinas em processo de adequação ambiental, como na Usina do Funil (RJ), que estão recuperando matas ciliares, áreas de preservação permanente e reservas legais.