São Paulo (AUN - USP) - O processo da negação coletiva, causado pelo confronto com temas de alta complexidade, pode ter retardado o reconhecimento da importância das mudanças climáticas globais e de seus efeitos por mais de 30 anos. A hipótese é do professor Marcos Silveira Buckeridge, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP). Ele acredita que, apesar do atraso em se conscientizar sobre questões complexas, a manifestação da negação coletiva vem diminuindo com a sociedade cada vez mais informada, pela Internet.
Para Buckeridge, conceitos novos às vezes pegam as pessoas de surpresa, seja por se tratarem de assuntos que elas não conhecem bem, seja porque elas não estavam preparadas para recebê-los. Então, esses conceitos, especialmente os científicos, são recebidas de forma dogmática e, por isso, tendem a ser rejeitados.
“O conhecimento científico que é dado nas escolas é baseado principalmente em explicações lineares”, explica o professor, “de repente, conceitos novos são colocados de uma forma incompleta, sem que as bases intelectuais sejam introduzidas”. Para ele, essa é uma das causas de o aquecimento global ter levado tanto tempo a preocupar a sociedade. As pessoas teriam dificuldade de entender o aquecimento global, pois ele é fruto de uma série de fatores naturais e produzidos pelo homem, que interagem de maneira não-linear.
Esse descompasso entre conhecimento linear e os novos conceitos não-lineares resulta na desistência das pessoas em compreender mecanismos de complexidade. Ao ler um artigo, assistir a uma reportagem ou a um documentário, o esforço para tentar compreender os mecanismos envolvidos nas mudanças climáticas é tão grande que não vale a pena prosseguir nessa tarefa. Ao desistir de entender um fenômeno, a mente simplesmente não liga o que acaba de ler ou ouvir a um contexto maior.
Como outros cientistas, o professor Buckeridege acredita que é provavelmente dessa desistência que surge um processo de negação da realidade também no âmbito pessoal. Se imaginarmos que toda a sociedade tem que trabalhar duro para viver com mil afazeres diários, cada indivíduo, não por preguiça, mas por um processo de saturação de informações que dificulta o processamento destas, desistirá de entender a realidade.
Ele dá o exemplo da sala de aula: quando o professor apresenta a seus alunos um grande número de conceitos novos de uma única vez, pode-se perceber o processo de negação coletiva, pois vários alunos, tais quais os indivíduos de uma população, não conseguem processar tantas novidades, evitando que esses conceitos sejam compreendidos durante algum tempo. “[A saturação de informações] dificulta tão fortemente a compreensão de um fenômeno ou processo, que a pessoa não consegue ir adiante”, diz o biólogo.
No caso da demora da sociedade em aceitar as mudanças climáticas como algo originado pelo homem, o processo foi semelhante. O pesquisador da Nasa (Agência Espacial Norte-Americana) James Hansen já havia alertado sobre o aumento de temperatura generalizado na Terra desde 1980. Houve um período de 27 anos entre a publicação de dados científicos consistentes a respeito do aquecimento global e o início de uma cobertura intensa da mídia sobre o tema, a qual só agora começa modificar concretamente a opinião pública. Mesmo assim, a aceitação de que o homem alterou o clima do planeta só ocorreu de fato devido a fenômenos estranhos e inesperados que vem ocorrendo no planeta, bem diante dos olhos das pessoas, como furacões aparecendo onde nunca tinham sido vistos.
Segundo Buckeridge, “a negação coletiva parece funcionar como um pêndulo que impulsiona a opinião pública”. As pessoas passaram a acreditar que o clima atual está diferente do clima de anos atrás e também a aceitar melhor a idéia de que poderá haver ainda mais mudanças climáticas no futuro. Com isso, “o sinal da negação coletiva se inverteu”: o que era antes era rejeitado passou a ser aceito como dogma, “até que a mídia substitua esta informação por uma nova”.
E este é o diferencial da negação coletiva no século XXI: há um fluxo de informações sem precedentes através dos meios de comunicação modernos (principalmente da Internet). Com isso, “um indivíduo pode hoje checar conceitos rapidamente e minimizar o processo de negação coletiva”. Uma consequência disso é que a ciência moderna se caracteriza cada vez mais por um maior nível de transparência. A sociedade quer saber o que está sendo descoberto e participar mais diretamente do processo. Para Buckeridge, isso demonstra que neste século a sociedade deverá participar cada vez mais do processo de obtenção e uso do conhecimento científico e os cientistas terão que lidar com esta nova situação: “Não será mais tão fácil se esconder tão facilmente atrás da complexidade”, afirma o biólogo.