São Paulo (AUN - USP) - Estudantes do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP vem desenvolvendo, com o apoio da Associação Nacional de Direitos Humanos Pós-graduação e Pesquisa (ANDHEP) um projeto de cultura e extensão voltado à comunidade do Canindé, em São Paulo: Educar para o Mundo. A região foi escolhida pela concentração significativa de imigrantes de origem boliviana, no qual se destaca o impacto do fator migratório.
Para tanto, foi escolhida a Escola Municipal Infante Dom Henrique, em que grande parte dos alunos é boliviana ou descendente de bolivianos, para a realização de um trabalho de educação popular, que estimule nos atores universitários e também comunitários (alunos, professores, funcionários e pais) uma discussão sobre cidadania, direitos humanos universais, inclusão social e combate à violência derivada da xenofobia.
O projeto pretende ainda conscientizar e elevar a percepção política e o senso crítico desta comunidade. Coordenado pela professora Deisy de Freitas Lima Ventura, do IRI, o projeto vem colocando os estudantes em contato direto com o teor das demandas apresentadas pela escola, como a formação docente para debate de temas internacionais e a organização de atividades culturais. “Espero que sejamos capazes de desenvolver um conceito próprio de extensão para a área”, reitera Deisy.
A abordagem é inovadora. Usualmente, a formação do internacionalista está baseada na oposição entre temas nacionais e assuntos internacionais. “Trata-se, antes de tudo, de um problema metodológico”, afirma Deisy. “Fomos treinados para ver o mundo por meio de dicotomias e antagonismos, recortado em disciplinas, por isso, um pensamento mais profundo revela a artificialidade do saber que construímos.”
Sensibilização
A expectativa da equipe do Educar para o Mundo é espelhar os princípios do internacionalismo dentro de uma comunidade real. “Um trabalho como esse significa a aplicação prática dos princípios teóricos desenvolvidos em sala de aula”, afirma Nathália Duó, estudante de graduação que integra o projeto. “Passamos a trabalhar não apenas com idéias, mas com o ser humano, o que faz toda diferença”.
Além dos problemas que atingem a maioria da população brasileira, os imigrantes sofrem pela desvalorização de sua identidade. “O brasileiro não se vê como latino-americano, e os ilegais padecem de uma dificuldade de acesso adicional às prestações de serviço do Estado”, afirma a professora Deisy. Não existem ainda dados estatísticos definitivos, mas integrantes do projeto calculam que cerca de 10% dos alunos da escola são bolivianos ou descendentes.
Em campo desde julho, os participantes alcançaram alguns resultados importantes: houve avanços na sensibilização dos professores da escola quanto ao problema dos direitos de cidadania dos alunos. As demandas das lideranças que representam os imigrantes bolivianos também têm sido levadas em conta. Debates, reuniões e a exibição do filme Entre os Muros da Escola (Entre les Murs, França, 2008), de Laurent Cantet, premiado no Festival de Cannes, foram algumas das estratégias de abordagem da equipe.
A aceitação da comunidade mostra-se lenta, pois envolve uma relação paulatina de confiança, além de um grande esforço de convergência mútuo. Mas, para o graduando Guilherme Arosa Prol Otero, as principais dificuldades estão mesmo dentro da própria academia. “Projetos de extensão universitária enfrentam grandes dificuldades de ordem financeira”, diz. “A bolsa disponibilizada é muito pequena para a realização das atividades e, geralmente, essas iniciativas partem dos alunos e de um grupo seleto de professores. O apoio institucional não se reflete na prática”.