São Paulo (AUN - USP) - Somente um acordo multilateral elaborado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) em Doha poderá reverter as políticas protecionistas que distorcem o comércio agrícola. A afirmação é de André Meloni Nassar, Diretor-Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) e membro do Grupo Técnico coordenado pelos Ministérios das Relações Exteriores e da Agricultura para as negociações agrícolas da Rodada de Doha (http://www.iconebrasil.org.br/en/default.asp). André Nassar foi o palestrante do seminário O Brasil e as Negociações Multilaterais: A Rodada de Doha, promovido pelo Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP em 1º de outubro.
Nassar relata que diversos grupos estão operando de forma bastante coordenada nas negociações de Doha. Ao lado de Índia, China, México, Egito, Tailândia, Paquistão, entre outros, o Brasil compõe o Grupo dos 20 (G20), uma coalizão de Estados que trabalha de forma mais coesa nas questões de agricultura. O grupo tem feito oposição sistemática às políticas superprotecionistas da União Européia (UE) e dos Estados Unidos.
“Essa é a primeira rodada da OMC em que realmente os Estados Unidos e a União Européia estão sentindo que terão que pagar. A forma como as negociações vêm acontecendo mostra que eles terão que fazer mais esforço do que vêm fazendo”, afirma o diretor. Mesmo assim, a Rodada de Doha prova que fazer os acordos de comércio internacional funcionarem continua sendo um grande problema. Os países nem sempre estão dispostos a fazer concessões e várias acomodações são necessárias. “Isso esvazia o pacote que acaba ficando pequeno perto da proposta inicial”.
O analista aponta que perdas setoriais serão inevitáveis nesse tipo de acordo: “O bolo vai aumentar, mas tem um pedaço que vai ficar pior e outro, melhor. O Brasil tem muita dificuldade de trabalhar com isso. Por exemplo, o governo negocia muito na Rodada de Doha tentando minimizar as perdas do setor industrial usando os ganhos do setor agrícola como justificativa.”
Divergências internas
Outro problema são as divergências dentro dos grupos de negociação “É o que os estudantes de relações internacionais costumam chamar de ‘coalizões de geometria variável’”, diz Nassar. “O Brasil pode estar numa coalizão com a Índia num determinado assunto e contra a Índia num outro assunto. Todo mundo trabalha dentro do seu próprio interesse. É sempre a visão pragmática que impera ali.”
O consenso é de que em Doha haverá maior disciplinamento do comércio agrícola, principalmente na regulamentação dos subsídios que, segundo Nassar, são a pior forma de distorção do comércio. Mas ocorrerão alguns choques. Provavelmente alguns países irão compensar suas perdas elevando as cotas tarifárias de importação para resguardarem sua própria produção agrícola.
Ainda assim, na média, as coisas estarão melhores. “A Rodada serve ao Brasil porque há um bom pacote de negociação para reduzir subsídios tanto americanos quanto europeus”.
As chances da rodada encerrar em 2010 são escassas. Nassar afirma que o Brasil não pode esperar que os resultados das negociações estejam colocados na agenda internacional. “Se o Brasil quiser abrir o comércio, terá que esquecer o acordo multilateral e partir para acordos bilaterais.”
Essa é uma mudança problemática. O país não tem tradição diplomática em acordos bilaterais. A única negociação bilateral na área comercial em que o Brasil se envolveu foi com o Mercosul que, segundo Nassar, consiste no “pior dos casamentos”. “O Mercosul é um bloco que, do ponto de vista econômico, não tem muito significado, mas é um casamento em que não foi colocada a possibilidade de divórcio.”