São Paulo (AUN - USP) - A ascensão do Brasil como ator internacional de primeiro plano preocupa seriamente setores conservadores da política norte-americana. Daí a crescente tensão diplomática entre representantes do Brasil e dos Estados Unidos durante a crise em Honduras. A professora Deisy de Freitas Lima Ventura do Instituto de Relações Internacionais (IRI) considera que o apoio brasileiro ao presidente hondurenho deposto, Manuel Zelaya, possui sólido fundamento jurídico: “Podemos ficar muito orgulhosos porque o Brasil foi altivo nessa situação e teve todo apoio da comunidade internacional”.
Deisy qualifica o golpe militar como um grave retrocesso para o país e para o continente americano. O golpe compromete a credibilidade das instituições políticas e agrava a crise econômica hondurenha já que instituições de fomento interromperam financiamentos de projetos importantes para o país, um dos mais pobres da América Latina.
O estopim da crise foi a proposta de realização de consulta popular para referendar uma Assembléia Nacional Constituinte. Supõe-se que Zelaya iria solicitar uma emenda para autorizar a reeleição ao cargo de presidente. A professora, contudo, discorda da interpretação de alguns especialistas em Direito Constitucional que descaracterizaram juridicamente o golpe por conta dessa consulta. “Sem dúvida alguma é um golpe”, declara Deisy. “A Constituição de Honduras prevê que um presidente possa ser eventualmente privado de seu mandato se ele propuser a reeleição, mas jamais sem o devido processo legal.”
A manutenção das instituições políticas e do processo eleitoral também não provê legalidade ao governo interino do líder do Congresso, Roberto Micheletti que assumiu o poder com a expulsão de Zelaya do país. Diz Deisy: “Um presidente expulso, estado de sítio, 4.000 pessoas detidas, 17 mortos, 300 feridos, diversas pessoas demitidas por defenderem o presidente deposto, veículos de comunicação que fazem oposição ao governo golpista fechados (...). Desde quando essas eleições terão o condão de implementar um governo legal em Honduras?”
Deisy também defende o abrigo diplomático concedido ao presidente deposto pela embaixada brasileira em Tegucigalpa. Ela discorda que esteja ocorrendo ingerência do Brasil nos assuntos internos do país. “De modo algum há intervenção brasileira em Honduras”, opina a docente. Por não reconhecer o governo golpista, o Brasil entende que está oferecendo proteção a um chefe de Estado legitimamente eleito no processo democrático. O Estado brasileiro tem larga tradição em proteção diplomática. Trata-se do o país que mais oferece refúgio de acordo com estatísticas das Nações Unidas.
“O Brasil, ao conceder essa proteção, nada mais fez do que cumprir todos nossos compromissos internacionais em matéria de proteção aos Direitos Fundamentais” afirma Deisy. Segundo ela, deixar o presidente ser preso e morto não resolveria de modo algum a crise: “Ao contrário, haveria mais agitação, mais mortos, mais feridos, maior insatisfação.”
Disputa regional
A crise hondurenha opôs Estados Unidos e Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU) e na Organização dos Estados Americanos (OEA). A professora aponta que a configuração institucional desses organismos limita muito sua ação nos casos em que eles mais teriam vocação para atuar. “Ainda assim, há um consenso entre países tão diferentes de que houve um golpe, de que o presidente legítimo precisa ser restituído e um apoio integral à inviolabilidade da missão brasileira.”
A aprovação de uma resolução no Conselho de Segurança da ONU e a recomendação da OEA repudiando o golpe reafirmaram a posição brasileira na crise de Honduras. “O Brasil está muito bem, como nunca esteve, perante a comunidade internacional”, afirma Deisy. “Só quem questiona a posição do Brasil é um setor da imprensa e da política brasileira com interesses eleitorais claríssimos no ano que vem.”