São Paulo (AUN - USP) - Uma vez por semana, um grupo de 8 a 12 mulheres dependentes químicas se reúne para sessões psicoterapêuticas no Centro de Atenção Psicossocial/Álcool e Drogas (CAPSad), em Guarulhos. Em sua maioria, são mulheres pertencentes à classe baixa, com idades entre 25 e 50 anos e é por meio do acompanhamento delas que, desde 2006, Kátia Varela Gomes realiza sua pesquisa de doutorado A Dependência Química em Mulheres: uma compreensão além do sintoma.
Visando a investigação dos processos psíquicos em mulheres dependentes químicas, Kátia pretende, a partir da tríade “substâncias/indivíduo/aspectos sociais” e do referencial psicanalítico da feminilidade, analisar a relação existente entre a dependência química e outros fatores, como a exploração da sexualidade ou o lugar social que a mulher ocupa. Sua pesquisa vai além da análise individual da mulher, para entender os contextos que contribuem para manifestação desse sintoma. Em seu trabalho, também podem ser percebidos alguns dos motivos que levam as mulheres às drogas – lícitas ou ilícitas. Nele, é posta em discussão a problemática social quando o assunto está ligado ao âmbito feminino, o que por muito tempo foi considerado tabu.
Apesar das mudanças, há ainda muito preconceito quando se trata de mulheres dependentes. Kátia cita, por exemplo, casos em que são discriminadas quando procuram outros sistemas de saúde, com outras queixas (muitas das quais são derivadas da dependência). “Os outros profissionais consideram que as mulheres não estão em situação de sofrimento, e sim que aquilo é uma escolha, como se fosse uma ‘malandragem’”, diz a pesquisadora do Laboratório de Estudos em Psicanálise e Psicologia Social (Lapso), do Instituto de Psicologia (IP) da USP, sobre alguns relatos das próprias mulheres. Aliás, elas consideraram a pesquisa algo importante: é um meio para que as pessoas percebam seu sofrimento.
Enquanto para os homens, bebidas alcoólicas são sinais de masculinidade e levam a certa visibilidade social – ao beberem em bares ou fora de casa - as mulheres sentem-se reprimidas nestas questões, dificultando a possibilidade de assumirem o envolvimento com as drogas. Para elas, o hábito de usar drogas passa a ser escondido. Muitas chegam a guardar as garrafas em lugares onde não podem ser vistas, como próximo à máquina de lavar roupa ou no meio de panelas.
Entre alguns dos motivos citados pela psicóloga que levam a mulher às drogas estão: a solidão, as dificuldades conjugais, a violência doméstica (em que se perpetua a violência ou como forma de válvula de escape), as perdas (como separações e lutos) e até mesmo as questões sexuais. “Freqüentemente as mulheres usam a bebida alcoólica como forma de exploração da sexualidade: ou para a ‘adormecerem’ e não sentirem tesão, ou para sentirem atração pelo companheiro”, exemplifica a psicóloga.
Assim como são diversos os motivos para dependência química, os motivos para busca de tratamento também são bem diferenciados. Algumas são encaminhadas pelo conselho tutelar, após denúncias da ausência de seus filhos na escola, por exemplo; outras, por imposição da família; e ainda, existem as que vão espontaneamente. Estas últimas, Kátia considera como metade das mulheres que buscam o CAPSad. Em compensação, muito da “demanda espontânea, acaba sendo construída no decorrer do tratamento”, explica.
Se existem casos de mulheres que vão incorporando, aos poucos, o tratamento, há também as desistentes. Segundo Kátia, quanto mais jovem é a mulher, mais rápido ela desiste. “Principalmente, as usuárias de drogas ilícitas”, notou a psicóloga no grupo analisado. E dentre estas, as usuárias de crack são apontadas como aquelas que menos seguem o tratamento. A maior freqüência é das que apresentam sintomas de alcoolismo.
Outro motivo que leva à desistência são os grupos mistos: quando os grupos de tratamento são os mesmos para homens e mulheres, elas acabam se sentindo mais rejeitadas e atacadas pela sua condição, impedindo, assim, os resultados dos tratamentos. Conforme comenta Kátia, elas passam a ser vistas como um objeto fácil. Esse foi um dos motivos que levou à criação de um grupo específico para mulheres na unidade do CAPSad onde a psicóloga frequenta.
Desconstrução de mitos
Para Kátia, há ainda muita mitificação frente à problemática da mulher dependente química. Em relação à dificuldade do tratamento, por exemplo - em que a mulher sofreria mais com a abstinência - possivelmente é porque os tratamentos eram mistos, nos quais a mulher pouco permanecia. No entanto, conforme vai se analisando a questão feminina e se especifica o olhar, esses mitos vão sendo desconstruídos.
A questão da predisposição biológica não é um dos motivos essenciais para a pesquisa de Kátia da relação da mulher com o vício. Outros fatores importantes devem ser considerados também – não pautar apenas no sujeito, mas considerar outros aspectos culturais e sociais que estão relacionados à questão.
Dificilmente problemas de dependência são levados como doença, não apenas biológica, mas também coletiva. Segundo a pesquisadora, a dependência não é somente um fator orgânico, individual, mas um sintoma coletivo, que apesar de freqüente, pouco é discutido na sociedade.