São Paulo (AUN - USP) - Duas espécies de peixes elétricos - Gymnotus carapo e Brachyhypopomus pinnicaurdatus - que vivem nas águas da América Central e do Sul foram objeto de estudos durante o mestrado e o doutorado de Alberto Capurro Stanham, pós-doutorando do Instituto de Física da USP. As pesquisas, realizadas entre Uruguai e Japão, servem de base para as investigações sobre coração humano e estágios do sono desenvolvidas atualmente pelo pesquisador. Resultaram na elaboração de um modelo computacional capaz de reproduzir, com bastante semelhança, o comportamento de determinados neurônios, chamados marca-passos, responsáveis pela geração e coordenação do ritmo de descargas elétricas produzidas por esses peixes. "Não se trata de um estudo de zoologia", explica Alberto, que também é graduado em medicina, "os peixes elétricos são um paradigma para compreendermos sistemas biológicos mais complexos. O que fizemos foi observar espécies simples, com condutas simples, para entender como sua rede neural as origina".
Marca-passo é uma célula que tem uma descarga regular e autônoma, ou seja, que não depende de influências externas para acontecer. Pode ser, por exemplo, um neurônio, ou uma célula muscular especial, como o marca-passo cardíaco. No cérebro dos peixes elétricos, existe um marca-passo neuronial, cuja descarga é autônoma, mas que pode ser modulada (acelerada ou refreada), dependendo do que o organismo captar do ambiente. Foi especificamente essa "resposta" do neurônio às diversas situações, também chamadas ruídos, enfrentadas pelos peixes que Alberto Capurro simulou em seu modelo computacional do marca-passo.
Dos peixes elétricos ao coração humano
As duas metas de Capurro em seu pós-doutorado no Brasil, orientado pela professora Coraci Pereira Malta, beneficiam-se dos resultados já alcançados com seus estudos anteriores. A primeira é criar um modelo computacional do marca-passo do coração humano, que enfoque especificamente a influência da respiração em seu ritmo. A segunda é possibilitar o estagiamento automático do sono por encefalograma.
"Sabemos que o marca-passo cardíaco é um oscilador autônomo, influenciado por vários fatores, e um deles é a respiração. Pretendemos compreender como esta influi na freqüência dos batimentos do coração", esclarece o pesquisador.
Nesta etapa da pesquisa, as informações necessárias são extraídas por medições dos ritmos cardíaco e respiratório de pessoas durante a prática de meditação - situação em que a respiração é conduzida de maneira bem diferenciada - e comparadas às informações identificadas em pessoas comumente relaxadas.
Assim como em seus estudos com os peixes, no futuro, Capurro pretende construir um modelo computacional apto a reproduzir dados do sistema biológico em questão, que considere as influências específicas da respiração no comportamento cardíaco, sem desprezar os "ruídos" - influências aperiódicas de outras origens - que nele também interferem.
Diagnóstico automatizado das etapas do sono
Sua segunda meta de pesquisa é desenvolver um algoritmo (conjunto de cálculos e regras para orientar a solução de determinado problema) que permita identificar automaticamente, através de sinais cerebrais registrados por eletroencefalograma, em que etapa do sono se encontra uma pessoa.
"Monitorar sinais cerebrais de alguns pacientes durante o sono, por meio de encefalograma já é um método clínico corriqueiro. Há pacientes que precisam ser monitorados toda a noite, pois existem manifestações patológicas, como as de certos portadores de epilepsia, que só se manifestam em determinado estágio do sono. Nosso objetivo é contribuir com um algoritmo que permita se fazer o estagiamento automático do sono", diz Capurro. Dessa forma, será possível gravar em computador apenas o conteúdo de informações registradas pelo encefalograma na etapa de interesse, determinada pelo médico.
Ambos os trabalhos fazem parte de um estudo multidisciplinar, que envolvem principalmente Biofísica, Neurociência e Biomatemática, e encontram-se em fase de investigação básica. "Estamos preocupados em entender como funcionam os sistemas estudados. Se os resultados tiverem utilidade para uso clínico, também será interessante. No entanto, dou muita importância à Ciência Básica porque ela possui um valor cultural em si mesma, independente de sua aplicação prática", conclui o pesquisador.