São Paulo (AUN - USP) - A incidência de traumas causados por armas de fogo na região da face cresce continuamente desde a década de 1910 no município de São Paulo. Hoje, de cada dez baleados, oito sofrem com o disparo na região da cabeça. A pesquisa, presente na recente publicação “Odontologia Hospitalar” do professor Waldyr Antônio Jorge da Faculdade de Odontologia (FO) da USP constatou que a cidade de São Paulo é uma cidade muito periculosa, tão quanto o Rio de Janeiro ou até mais. O crescimento dos números aponta uma “casuística assustadora”, pontua o professor. No começo do século passado os ferimentos acometiam os pés, e as mãos, com o passar dos anos as lesões passaram para a região do peito e mais recentemente para a cabeça e face. No hospital do Campo Limpo, onde o professor atua, chegou-se ao recorde de 17 ocorrências num único final de semana. “Os profissionais vêm ao Brasil para aprender sobre esses casos”, ressalta. Ele lembra que em sua passagem de um ano pela Alemanha, só presenciou dois casos por arma de fogo: uma tentativa de suicídio e um disparo mal sucedido na caça ao pombo.
Atendimento
Os pacientes, normalmente, chegam através do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e/ou de transferência de hospitais menores. O estado em que eles chegam, normalmente é precário. As lesões são muito graves e, no município de São Paulo elas estão ligadas ao trânsito. Afundamento de face, traumas de assoalho de órbita e deslocamento de mandíbula são freqüentes pela projeção do rosto contra o parabrisa no caso dos motoristas, ou o chão como no caso de ciclistas e motociclistas. “Todas elas [as fraturas] envolvem a região que, senão, a mais nobre do corpo que é a boca”, reitera o professor. Se os atendimentos fossem feitos de forma mais rápida e de maneira correta, muitos problemas pós-traumáticos poderiam ser evitados. Em alguns casos há uma necessidade de se corrigir deformidades decorrentes do mau atendimento. “Alguns procedimentos poderiam ser tratados com mais diligência, mais requinte”, alerta Waldyr Jorge.
A cavidade bucal, por conta da arcada dentária e da oclusão constrói o “padrão de normalidade” do rosto. O cirurgião bucomaxilofacial, conhecedor dessa verdade, ao se aproximar de traumas graves tem uma dupla missão: harmonizar a função biológica com a estética. A recuperação é de dentro para fora e com técnicas apropriadas espera-se chegar mais próximo ao que o ferido era antes do acontecido. Primordialmente recupera-se a função bioclusal e posteriormente se pensa no cosmético, no exterior.
Para tanto, o cirurgião dentista atua em uma especialidade médica, não tendo formação médica, ou seja, é a especialização da especialização, sendo ratificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “o único especialista com o crivo do diagnóstico, tratamento e alta além do médico”.
Outras urgências
O livro, editado pela Medbook, também abarca outros pontos da odontologia hospitalar, mas sempre focado na atuação do cirurgião dentista no hospital. A profilaxia e tratamento do câncer bucal, urgências odontológicas decorrentes de dor (odontalgia) são alguns exemplos da vasta gama de atuações presentes na edição.
Agressões, espancamentos, quedas em casa ou em ambiente esportivo, com menor freqüência são urgências relatadas no ambiente hospitalar. “A odontologia é muito mais do que olhar dente do paciente. Os traumas que tratamos refletem os traumas sociais do país”, reflete o professor.
No livro, ainda há tópicos relacionados à parte humana do tratamento. Por se tratar de uma região muito crítica para a autoestima dos pacientes, um trabalho criterioso e cauteloso deve ser realizado como define Waldyr Jorge: “eu não trato do dente do paciente, eu trato um paciente com dente”.