São Paulo (AUN - USP) - Foi nesse tom que Volnei Garrafa, coordenador da Cátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília, começou a esboçar os desafios da bioética, ao ministrar a palestra “Aspectos Atuais e Perspectivas da Bioética”, realizada no último dia 4 no Instituto de Ciências Biomédicas da USP.
Segundo Volnei, a rapidez com que a ciência evoluiu não foi devidamente acompanhada pelas reflexões éticas que deveriam ser levantadas. Hoje, no entanto, o limite à evolução dessa ciência já não é mais a técnica, como foi por muito tempo, mas sim a ética que deve ser aplicada em experiências científicas. A atenção dos pesquisadores precisa, então, se reforçar na pauta da bioética.
Indicado pelo Ministério da Saúde para a criação de uma futura Comissão Nacional de Bioética, Volnei alerta à necessidade de uma consolidação de leis bioéticas no Brasil, como uma espécie de base a que o médico e o pesquisador podem recorrer em situações de dilemas éticos. Na Espanha, como ele exemplifica, é obrigatória a instalação de Comitês de Bioética em hospitais com mais de 100 leitos, enquanto no Brasil muitos deles não possuem nenhuma base similar.
Novo conhecimento
O atraso da ética aplicada em países como o Brasil tem explicação. Segundo Volnei, “há a necessidade de construção de um novo e mais amplo estatuto epistemológico para a bioética. E ela deve ser feita a partir da desigualdade entre países pobres e ricos”.
A construção epistemológica refere-se à dificuldade de determinar o campo e o modo de conhecimento das implicações éticas. Isso porque o termo se trata de uma estrutura “multi-trans-disciplinar”, que mistura filosofia, ciência, direito, além de outras estruturas, tornando necessário seu estudo como a consolidação de um novo conhecimento.
O estabelecimento dessa nova ciência tem como grande colaboradora a Unesco. Desde 1990, a organização tomou a bioética como uma de suas prioridades. Em 97, o primeiro passo foi a divulgação da Declaração Universal do Genoma Humano e Direitos Humanos. Finalmente, em 2003, foi homologada a Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos. Esse foi o ponto de partida para a ampliação do conceito de bioética para além dos temas biomédicos e biotecnológicos, alcançando a temática social, sanitária e ambiental.
Essa última Declaração é constituída de “normas não-vinculantes”: não têm poder legislativo, mas dão um encaminhamento aos países para que eles possam construir suas leis específicas, que se moldariam de acordo com a moral de cada sociedade.
Pluralismo moral
Volnei destaca a necessidade de respeito a um “mundo irreversivelmente plural com relação à moralidade”, e fala sobre a importância da criação de leis específicas. “Não adianta descolar legislação de moralidade”, diz Volnei que, no entanto, afirma que essa tarefa dificulta ainda mais a consolidação da bioética. Deixa no ar, então, uma questão não respondida: a bioética deve pautar no universalismo ou no relativismo ético?
O pesquisador ressalta que muitas questões da medicina geram posicionamentos divergentes nos países, e a culpada é a moralidade. Exemplifica com o caso do aborto, “um tema residual latino-americano”, como assim o descreve. Segundo Volnei, o aborto já é aceito pela maioria das sociedades, mas nos países latino-americanos a maioria se posiciona contra sua legalização.