São Paulo (AUN - USP) - A falta de controle na intensidade de treinamento é uma das principais causas de lesões de atletas profissionais, indica pesquisa feita na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP. O projeto foi realizado pela professora Kátia Rubio e surgiu de uma pesquisa anterior, sobre a história de vida de atletas, em que relatos sobre dor eram feitos mesmo sem que essa fosse abordada.
“Ao longo do desenvolvimento na carreira, o atleta naturaliza a dor dos treinamentos, e isso deveria ser encarado como um indicativo somático de que o corpo está chegando a um limite”, explica Rubio. O estudo foi baseado na percepção de dor de atletas de nível olímpico de diferentes modalidades, por meio de relatos e dados qualitativos.
Como ponto de partida, a pesquisa identificou que a vida do atleta é pautada na dor, porém, ela pode ser de diferentes tipos. A do treinamento é vista com naturalidade pelos atletas, pois ele convive com ela e passa a considerar que está próximo do seu melhor rendimento. Essa dor não é incapacitante e o atleta passa a ser cada vez mais ousado, a ponto de perder o controle sobre seu limite e atingir a segunda dor, a da lesão, que o impede de competir em alto nível. Com a profissionalização do esporte, qualquer interrupção nas atividades significa prejuízo para o atleta e principalmente para os patrocinadores.
“O atleta não quer conviver com a dor da lesão e busca resolvê-la rapidamente. Às vezes, ele faz cirurgia sem necessidade, abrevia a fisioterapia ou volta a jogar mesmo com o mesmo dizendo que ele não está pronto”, afirma Rubio. Um importante passo dado pela pesquisa é a busca de estratégias de intervenção preventiva, no sentido de educar o atleta para saber identificar qual dor ele sente, e poder evitar lesões. “Não existe máquina que possa avaliar a dimensão de uma dor. O atleta tem que se conhecer e conhecer referências dessa dor para saber lidar com isso”.
Interesses comerciais
O exemplo mais recente relacionado a lesões e interesses comerciais pôde ser visto no tênis. Em meados de outubro, a Associação dos Tenistas Profissionais (ATP) recebeu severas críticas dos atletas em relação ao extenso calendário de competições. No ATP Masters 1000 de Xangai, por exemplo, em que 56 atletas iniciaram a disputa, nove partidas foram encerradas por desistência de um dos jogadores do confronto por lesão. Desses, seis encontram-se entre os 30 melhores do ranking divulgado na primeira semana de novembro pela ATP e, além de buscarem pontos em torneios desse nível, visavam à premiação de mais de 5 milhões de dólares – 3ª maior em eventos da ATP – e são praticamente obrigados a jogar devido aos inúmeros patrocinadores pessoais e da competição.
Sobre o caso, Rubio lembra o maior tenista do Brasil, Gustavo Kuerten, e afirma que ele abandonou a carreira devido a lesões que foram agravadas por pressão de patrocinadores. “Ele já estava com lesão no quadril e mudou de patrocínio, da Diadora para Olympikus. Nesse processo, ele viu que precisava parar para se tratar, mas como tinha acabado de assinar contrato, o patrocinador não deixou”, conclui. Para a pesquisadora, não há como curar uma lesão em movimento e é fundamental que o atleta pare por um tempo para se tratar. “O principal problema é que essa parada é praticamente impossível quando se tem muitos interesses comerciais envolvidos na vida do atleta. Empresários e dirigentes nunca vão respeitar o limite do atleta”, afirma Rubio.
Além da pressão dos patrocinadores, outro ponto muito citado na pesquisa, principalmente por atletas jovens, trata da insensibilidade dos técnicos em aceitar a limitação que a dor proporciona. “É a principal crítica dos atletas. Eles não têm autonomia para dizerem quando precisam parar e são tratados como peças de uma grande engrenagem. Quando uma para de funcionar, é substituída facilmente” afirma Rubio.