ISSN 2359-5191

01/02/2010 - Ano: 43 - Edição Nº: 99 - Ciência e Tecnologia - Instituto de Biociências
Neurocientista revisita a psicanálise

São Paulo (AUN - USP) - Muitas vezes a relação com memória e outras manifestações fisiológicas fazem parte do tratamento do psicanalista. Essa ligação parece óbvia, mas são raros os pesquisadores que se dedicam a investigá-la. Um deles é Gilberto Xavier, professor do Instituto de Biociências (IB) da USP, que se dedica a explicar a psicanálise através do comportamento dos neurônios.

Foi em seu artigo, intitulado “Intersecções entre Psicologia e Neurociência”, que Xavier iniciou uma aproximação dos preceitos fundamentais de Freud, o pai da psicanálise, com elementos da memória. Segundo o professor, é essencial que se pensem os fundamentos psicanalíticos como parte do funcionamento do sistema nervoso, admitir a existência de um correspondente fisiológico para as implicações mentais que a psicanálise estuda. “É preciso tirar o caráter etéreo da psicanálise”, diz o professor.

Para explicar o funcionamento da memória no cérebro, Xavier parte de alguns pressupostos, dentre os quais três são importantes para a relação com a psicanálise: a memória é associativa e categórica; as conexões neurais podem ser criadas e modificadas ao longo do tempo; e nós temos o poder de alterá-las, através do “lembrar-se”.

“Me fala todos os animais que te vêm à cabeça”. Através das respostas quase sempre invariáveis de seus interlocutores, Xavier exemplifica o que ele quer dizer por “associações categóricas”. Se o interlocutor se lembra de gato, logo vai se lembrar do cachorro, e logo depois cita o cavalo, e assim por diante. Pouco depois se lembra do passarinho, que induz à galinha e outras aves. Isso indica que nossas associações seguem uma linha raciocínio por categorias: no caso, vieram os quadrúpedes, depois as aves e assim por diante. É dessa forma que funcionam todas as nossas interpretações de mundo, e nosso comportamento depende inteiramente dela.

Essas ligações entre diversos pontos neurais, que Xavier chama de “nó”, são interligados por uma espécie de teia, em que partes são ativadas e partes não. O “lembrar-se” é exatamente quando o homem ativa esse pedaço da teia, essa associação antes desativada entre um nó e outro. Ao lembrar-se, o indivíduo ativa circuitos de experiências passadas. Muitas deles desativadas há tempos.

As ligações desativadas são o que Freud chama de inconsciente. São experiências vividas, mas que, ao serem armazenadas, não tiveram um nível de atividade tão intenso quanto as informações que se tornaram conscientes. Xavier afirma que a maioria das nossas memórias são inconscientes, e estão sempre, de forma indireta, influenciando as demais. Um exemplo são as mensagens subliminares, informações que despertam atenção, mas não são captadas pelo cérebro de forma direta, tornando-as inconscientes, mas incitando o indivíduo a fazer o que elas indicam. “Você não precisa estar consciente da informação para que ela te influencie, para que você a absorva”, diz o neurocientista.

Uma das premissas fundamentais da psicanálise é a livre associação de ideias, em que o paciente fica deitado, tentando se lembrar de experiências passadas. Se a situação fosse traduzida para a linguagem da neurociência, o paciente fica fazendo esforço para ativar ligações entre os circuitos neurais de memória, tornando conscientes algumas informações inconscientes.

Depois dessa fase, chega o “momento significativo”, assim denominado pelos psicanalistas. É quando a relação entre o psicanalista e o paciente sofre um grande progresso. O paciente percebe alguma coisa, ou ativa algum nó antes adormecido, e passa a interpretar o mundo de maneira diferente. Esses nós são normalmente situações de angústia e de traumas, os quais podem ou não ter sido inconscientes.O papel do psicanalista é justamente fornecer outros pontos de vista sobre os traumas. Como se explicasse ao paciente que aquele fato não foi negativo, curando-o do trauma. Para Xavier, o psicanalista nada mais faz do que induzir o paciente a ativar certos nós, com a memória, e criar novas ligações, através da reinterpretação do ocorrido.

Xavier pretende reunir todas as investigações em um livro. Também incluirá algumas pesquisas que relacionam aspectos fisiológicos ao ID teorizado por Freud e as relações entre filho e mãe que tanto geram polêmica no trabalho do pai da psicanálise.

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