São Paulo (AUN - USP) - A compulsão alimentar é um problema que deve ser encarado de forma interdisciplinar, já que sua origem é tanto física quanto psicológica. Médicos endocrinologistas, nutricionistas, educadores físicos, psicólogos ou psiquiatras: todos devem fazer parte da equipe de tratamento. Essa foi abordagem proposta por Arthur Kaufman, professor do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, em recente palestra do grupo Prato (Programa de Atendimento ao Obeso) do Hospital das Clínicas, destinado a ajudar pessoas obesas e familiares a entender e superar a doença.
Os fatores físicos existem (genética, metabolismo, etc), mas por causa da grande carga emocional envolvida no transtorno alimentar, medicamentos que ajam somente no primeiro campo não ajudarão o compulsivo, diz o professor. Ele ainda adverte: “grande parte das compulsões são causadas por dietas errôneas. A pessoa era compulsiva na comida, agora é no regime”. Ou seja, ela encara o objetivo de perder peso como a chance de mudar de vida e se torna obcecada, se pesando de cinco em cinco minutos, contando todas as calorias e medidas. Como o resultado não é imediato, ela desiste e volta aos padrões antigos de alimentação.
O tratamento deve, então, procurar aliviar o desespero e a ansiedade do compulsivo. Entretanto, muitas vezes a pessoa apenas troca de compulsão, colocando todas as suas expectativas em outra atividade. É preciso diversificar, afirma Kaufman, porque assim a mente trabalha em campos diferentes, pulverizando a ansiedade e facilitando a recuperação. Para aprender a lidar com os sentimentos e reconhecer e dar nome às emoções, a psicoterapia se faz necessária. E para realmente perder peso, são indispensáveis regimes e exercícios físicos, devidamente acompanhados por profissionais especializados.
Origem e características
O professor coloca que o obeso come para compensar a falta de alguém ou de algo – que ele chama simbolicamente de “mãe”. A fome é, na verdade, uma “fome afetiva” e a comida seria a forma tangível dessa “mãe”, ou uma espécie de calmante frente à sensação de solidão. A compulsão alimentar é uma espécie de gratificação substituta capaz de repor os objetos amorosos perdidos, apaziguar as emoções e criar uma sensação de segurança.
O compulsivo não precisa ser necessariamente obeso. Os casos de bulimia, em que a pessoa se alimenta e depois induz o vômito para não engordar, também são um tipo de compulsão alimentar. Em ambos os transtornos, o ato de comer compulsivamente ocorre escondido ou na presença de amigos que tenham o mesmo comportamento. Com outras pessoas, o compulsivo pretende passar a imagem de “saudável”. Há sempre uma auto-aversão ao próprio corpo, que traz consigo a raiva e a falta de controle, descontada na comida. Isso gera um círculo vicioso de “culpa, raiva e fome”. A vergonha vem em seguida e, com isso, o compulsivo não pede ajuda e se isola do convívio social, ocasionando a depressão.
Compulsão alimentar e sexualidade
Nas mulheres, a obesidade pode ser uma forma de proteção contra a sexualidade. A gordura funcionaria como uma barreira contra os medos da rejeição e do desejo. Para não encarar as “dores do amor”, a mulher se esconderia atrás do seu corpo e assumiria para si outro papel – de mãe, de esposa, de dona-de-casa, qualquer um, exceto o de mulher. O casamento também estimula essa condição, porque os casais acabam engordando juntos e, muitas vezes, se acomodam e a profissão dona-de-casa, pouco valorizada na sociedade, é um prato cheio para descarregar na comida as frustrações da vida pessoal.
Amor e loucura
Os três pilares essenciais para a superação do transtorno alimentar são a psicologia, a nutrição e a educação física, segundo Kaufman. Ele adverte que é fundamental a iniciativa partir do próprio paciente, que precisa recuperar a sua auto-motivação. Passar a amar um pouco mais a si próprio e ter coragem para iniciar o tratamento não será nada fácil, mas o professor termina citando Guimarães Rosa: “qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”. E nesse caso, a afirmação é mais do que verdadeira.
O PRATO (Programa de Atendimento ao Obeso) do Hospital das Clínicas realiza reuniões mensais abertas ao público e diversas outras atividades. Para quem quiser saber mais: http://www.hcnet.usp.br/ipq/prato/como_participar_prato_2010.html