São Paulo (AUN - USP) - Quando o assunto é saber o que ocorre dentro da Terra, as informações são muito escassas e de difícil obtenção. Se o poço mais profundo do planeta tem 11 quilômetros de profundidade, como, então, estudar o manto, centenas de quilômetros embaixo dos nossos pés? “Por meio da tomografia”, responde Martin Schimmel, pesquisador do Instituto Astronômico e Geofísico (IAG-USP) e um dos coordenadores de um estudo que detectou a presença de diversas anomalias de temperatura no manto terrestre na região sob o Sudeste do Brasil.
A tomografia do interior terrestre é chamada de tomografia sísmica, por utilizar como base de dados ondas provocadas por sismos. Schimmel explica que para se concluir em que pontos do manto a temperatura difere daquilo que é esperado e, dessa forma, criar imagens, deve-se conhecer a velocidade de propagação de ondas sísmicas em cada um desses pontos, já que elas são retardadas ou aceleradas conforme passam por uma região mais ou menos quente, respectivamente.
A determinação da velocidade de ondas em trechos do trajeto não é simples. Como ondas não são dotadas de “velocímetros” ou “caixas pretas”, deve-se medir tempos de percurso de ondas entre sismos a superficie terrestre e, em seguida, comparar tempos de ondas que se cruzam. Uma vez determinadas, as velocidades são contrapostas a valores estipulados teoricamente. A tomografia sísmica representa, com cores, as diferenças na velocidade. Quanto mais lentas do que o esperado, mais pontos vermelhos, quanto mais rápidas, mais azuis.
O trabalho produziu imagens que detectaram a presença de uma imensa anomalia de baixa velocidade (quente) e forma cilíndrica sob a Bacia do Paraná. Sua origem está vinculada à separação do supercontinente Gondwana, há aproximadamente 130 milhões de anos. Essa anomalia é um resquício do conduto por onde, naquela época, passou material quente do manto para a superfície terrestre. A anomalia original ficou sob o arquipélago de Tristão da Cunha, no centro do Atlântico Sul, onde, ainda hoje, sobe material quente do manto inferior. Sua existência a 700 quilômetros de profundidade sugere que o manto tenha se movimentado junto com a placa Sul-Americana desde sua separação da placa Africana.
Outra das conclusões da pesquisa foi a detecção de uma anomalia de alta velocidade sob o Cráton (base da crosta terrestre) de São Francisco. “Ela é explicada pela temperatura litosfera naquela região, mais fria, resultado de sua idade, isto é, algo entre um e dois bilhões de anos”, afirma Schimmel.
As imagens realizadas nesse trabalho foram obtidas a partir de quatro mil tempos de percurso medidos por 38 sismógrafos distribuídos em uma área de mil por 1,7 mil quilômetros. Foram utilizados tempos de medição obtidos entre 1992 e 1999.
Um estudo semelhante foi realizado em 1995, com menor quantidade de dados e estações sísmicas. “No que acabamos de concluir,” afirma Schimmel, “analisamos, com mais detalhes e mais precisão, uma área muito maior”. O pesquisador afirma ainda que, no entanto, há muitas áreas em que a quantidade de dados foi insuficiente para se obter imagens. “O cenário geodinâmico sob o Sudeste do Brasil é bastante interessante e merece ser estudado com mais detalhes”, conclui.