São Paulo (AUN - USP) - O uso de uma substância de defesa natural das aranhas caranguejeiras no combate a doenças tem sido pesquisado no Instituto de Ciências Biomédicas. A gomesina, uma substância presente no que seria o equivalente ao sangue nos artrópodes-a hemolinfa-, mostrou forte ação contra bactérias causadoras de infecções hospitalares, no trato urinário, meningite, pneumonia, micose, salmonelose, febre reumática, candidíase e leishmaniose.
A gomesina é um tipo de primeira barreira natural do organismo contra invasores, um peptídeo. Essa substância inata é a única forma dos invertebrados se defenderem contra intrusos, estando presente também em vertebrados. Atuando diretamente na membrana da bactéria, a gomesina faz buracos nesta membrana, alterando a permeabilidade do microorganismo e levando-o à morte.
Segundo a coordenadora do projeto, a professora Sirlei Daffre, a principal vantagem da gomesina é sua rapidez: por atuar diretamente na membrana da célula, age mais rápido que os antimicrobianos convencionais, que atuam no interior da bactéria. Um outro peptídeo semelhante à gomesina, a protegrina, levou 10 minutos para provocar uma redução de 1 milhão para mil bactérias em um experimento, por exemplo, enquanto outros antibióticos demoram de quatro a 24 horas para fazer o mesmo.
A rapidez da ação também é eficaz para se evitar que sejam criadas linhagens resistentes de bactérias, já que o uso excessivo de antibióticos convencionais provoca o surgimento de bactérias ultra resistentes. Os peptídeos são uma alternativa para evitar e talvez combater essas linhagens. Já há inclusive um projeto para testes nesse tipo de bactérias.
Atualmente, o grupo já passou dos testes in vitro para testes em cobaias. Para evitar o ataque de defesas naturais do soro do animal, a gomesina é encapsulada em lipossomos, que não são atacados e possibilitam a entrada desta no interior dos camundongos. Além disso, há testes com modificações na estrutura da gomesina, de modo a manter seus efeitos positivos e diminuir os negativos, como abaixar a atividade hemolítica da substância (além de agir contra as bactérias, os antimicrobianos também destroem glóbulos vermelhos). Os testes demoram e a expectativa para a aplicação em humanos é só daqui a pelo menos cinco anos.
Segundo Sirlei, existem atualmente seis ou sete empresas que comercializam peptídeos antimicrobianos. “A tendência é que alguma empresa farmacêutica se interesse pela gomesina e a explore como fármaco”, diz a professora do departamento de parasitologia. A substância já foi depositada no Brasil e nos Estados Unidos e agora a expectativa é que a empresa que adquirir a patente da substância continue com os testes até gerar um remédio que possa ser comercializado. O fato de ter sido registrado também nos Estados Unidos deve-se à dificuldade de se encontrar empresas dispostas a investir em drogas novas no Brasil, já que as empresas brasileiras estão mais acostumadas a trabalhar com drogas do exterior já prontas, explica a professora.