ISSN 2359-5191

03/06/2010 - Ano: 43 - Edição Nº: 23 - Educação - Instituto de Psicologia
Crianças sofrem com medicalização

São Paulo (AUN - USP) - Mal diagnosticadas por educadores e profissionais da saúde como portadoras de distúrbios comportamentais, um número crescente de crianças em idade escolar têm sido submetidas a tratamentos com medicamentos de ação psicotrópica, ou seja, que agem no cérebro.

O fenômeno, porém, não pode ser entendido sozinho: ele está dentro de outro maior, conhecido como medicalização, que não pode ser confundido com a medicação. Segundo Maria Helena Souza Patto, docente do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo, enquanto medicar significa curar um doente, medicalizar tem por definição ”identificar uma condição como enfermidade que requer atenção médica”. Dessa forma, no âmbito da medicalização, a causa de algum comportamento tido como destoante estaria no corpo.

Essa redução ao físico ignora todos os outros fatores que podem estar por trás de um problema de saúde ou comportamento. Não à toa, a medicalização surge com mais força em momentos nos quais se aprofundam as tensões sociais e aqueles que estão no poder precisam ocultar as desigualdades. “São idéias de natureza ideológica, que ocultam o real, que contêm espaços em branco e silêncios nos quais estão as grandes questões de uma sociedade dividida. É um discurso que faz parte de um conjunto sócio-político de administração da desigualdade”, afirma a professora.

No Brasil, devido a significativas contradições sociais, a medicalização está presente no cotidiano escolar há muito tempo – as dificuldades em sala de aula, por exemplo, eram justificadas por explicações genéticas e raciais no século 19, e pela desnutrição no século 20. Nesse contexto, os médicos e a medicina sempre ocuparam “um papel central na psicologia escolar”, conta Maria Helena.

Apesar das críticas, essa concepção medicalizante ainda persiste nas escolas – e ganhou força recentemente com o aparecimento da questão da hiperatividade, também conhecida como distúrbio de déficit de atenção (DDA), como fator das dificuldades de aprendizado. Crianças mais ativas, que fogem ao padrão esperado de “bom comportamento”, começaram a causar incômodos nos educadores, que, por sua vez, em conversas com pais, freqüentemente sugerem-lhes que os filhos possam apresentar o distúrbio. E esse diagnóstico não é nem um pouco preciso. De acordo com Ana Cecília Sucupira, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), as características indicadoras da hiperatividade são “extremamente subjetivas”. “Por exemplo, ‘corre e sobe excessivamente’ pressupõe que eu tenho que ter um normal”, afirma.

Uma vez feito esse diagnóstico pelo professor, muitas crianças são encaminhadas a neurologistas, que, por negligência ou má-fé, o corroboram. “Inventam-se doenças. Se os exames deram normais, fazem um teste terapêutico. E as pessoas dizem: ‘mas funciona, tem resultados positivos’. Mas que resultados eu quero?”, indaga Ana Cecília.

Assim, com um diagnóstico confirmado para a hiperatividade, as crianças são tratadas com psicoestimulantes (drogas que estimulam a sistema nervoso central), como o metilfenidato, mais conhecido como ritalina, que é o remédio mais usado para o tratamento do distúrbio e o terceiro mais vendido do mundo. Seu uso, porém, pode trazer efeitos colaterais graves, como o comprometimento do desenvolvimento cerebral e a morte. “Com os remédios que essas crianças tomam, a medicalização é uma verdadeira camisa de força química. São crianças sendo medicalizadas porque são crianças”, ressalta Maria Helena.

Solução
Para Maria Helena, a solução deste problema pode ser recorrer aos órgãos regulamentadores da atividade médica, como os Conselhos Regionais de Medicina (CRMs). Mas Ana Cecília se mostra cética: “Toda literatura que questiona essa visão da hiperatividade [como distúrbio a ser tratado com drogas] não é divulgada nas revistas tradicionais”. Para ela, a saída está em realizar um trabalho com os professores, de modo a desconstruir essa visão que eles têm do comportamento de seus alunos. “Na hora em que eu mostro o que acontece com as crianças que eles encaminham, alguma coisa mexe com eles”.

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