São Paulo (AUN - USP) - “Os poetas passavam por aqui, curiosamente, mais do que pelo centro de letras”, afirma Décio Pignatari, um dos pais da poesia concreta e ex-aluno da Faculdade de Direito (FD) da USP. A fala se deu no encontro recentemente promovido pela TV Cultura no prédio da FD, a famosa “São Francisco”. Além de Décio, esteve presente a poetisa, romancista e membro da Academia Brasileira de Letras, Lígia Fagundes Telles.
A frase de Décio se justifica com a própria história da FD. Criada em 1827, seus ex-alunos participaram de importantes movimentos políticos e literários no Brasil (como as “Diretas Já” e o Romantismo). De suas “arcadas” - como seus estudantes chamam o pátio da São Francisco - saíram nomes como Joaquim Nabuco, Ulysses Guimarães, Álvaro de Azevedo e Castro Alves. Os cursos de Letras e Filosofia da USP, de acordo com Décio, têm uma vocação maior para formar críticos e teóricos, além de serem muito mais recentes – a FD abrigava boa parte da nata intelectual de São Paulo, no século XIX e começo do XX.
Lígia conta que ao entrar no curso de Direito encontrou sua vocação, “lá eu aprendi que vocação é paixão”, e sua grande paixão era a literatura. Para ela, a maior contribuição da FD foi o conhecimento dos conflitos internos humanos "eu fui me entranhando na experiência humana para poder amar com as minhas personagens".
Uma das histórias que vivenciou foi a de um rapaz, seu amigo, que certa vez empenhara o seu bem mais precioso, um relógio de ouro, para lhe pagar um jantar. Outro relato é o de uma passeata durante a ditadura do Estado Novo, quando ela e seus colegas saíram às ruas com lenços pretos tampando suas bocas. Lígia conta do tiroteio subsequente, de como viu um estudante ser baleado e cair morto ao seu lado. “Essas lembranças de certo modo foram criando minhas personagens, com todas as suas mágoas, inquietações, ambições, desespero.”
Já Décio diz que suas experiências acadêmicas no Largo São Francisco não foram muito proveitosas - trancou duas vezes o curso de Direito e viajou o quanto pôde à Europa -, mas afirma que a FD lhe proporcionava um ambiente bastante liberal. Participou do jornal da faculdade e produziu muitos versos, mas ao mudar sua estética, houve muitas reações negativas e um boicote ao seu trabalho. “A faculdade de direito sempre foi conservadora, a poesia concreta não era vista com agrado aqui, [mas] de qualquer maneira não era bem vista em qualquer lugar".
Pignatari afirma que a maior contribuição de sua graduação foi o contato com os irmão “Campos” (Haroldo e Augusto de Campos), que lançaram junto com ele a poesia moderna. "Poesia, literatura, eu só discutia com os Campos, na casa deles", diz Décio. O poeta explica que o constante contato com outras formas de arte auxiliou muito sua evolução até o concretismo, "o importante era a discussão sobre essa interação do universo literário com as artes não-verbais".
Quando questionado sobre a literatura dos dias de hoje, Décio diz que vê, na poesia atual, apenas um reflexo das revoluções do século XX. “Estamos num período de magma. Tudo que foi revolucionário no século passado se manteve mais ou menos igual”, diz o concretista.