São Paulo (AUN - USP) - A mesa redonda Formação do Psicólogo e Preconceito, no Instituto de Psicologia (IP) da USP, trouxe à discussão novamente o caso dos irmãos de 12 e 13 anos que foram brutalmente assassinados pelo pai e a madrasta, na Grande São Paulo. Depois de nove meses internados num abrigo por determinação do Conselho Tutelar, que acatou denúncias de maus-tratos, eles foram devolvidos à família quatro meses antes do crime, apesar de seu desejo expresso de continuar no abrigo. Poucos dias antes de sua morte, foram encontrados pela polícia vagando pelas ruas, quando teriam informado que haviam sido expulsos de casa pela madrasta. Levados ao Conselho Tutelar, foram novamente devolvidos à família. Dois dias depois, estavam mortos, esquartejados e queimados pelo casal.
O caso voltou à discussão por ser um exemplo de como o preconceito pode influenciar em decisões de psicólogos. As duas professoras convidadas para a mesa redonda, Sylvia Leser de Mello e Maria Helena Souza Patto, escreveram, na época, um artigo sobre o ocorrido (Psicologia da violência ou violência da psicologia?). Entre a equipe de profissionais que mandaram as crianças de volta para casa, estava uma psicóloga. Segundo laudo divulgado pela imprensa, os dois meninos comparecem como pessoas que “manipulam a realidade para conseguir vantagens”. Para as professoras, “uma profissional que deveria ter sido formada para entender a complexidade e a gravidade de uma dinâmica familiar como esta e ouvir os envolvidos com ouvidos atentos e comprometidos com o direito de todos de serem cuidados pelo Estado, limitou-se a conclusões sobre a personalidade das crianças que, embora com palavras pomposas que querem infundir credibilidade à avaliação, as apresentam como mentirosas, desonestas, dissimuladas”.
Esse fato não é nada raro em laudos psicológicos. Cada vez mais, esses laudos representam a reprodução de estereótipos e de preconceitos de classe, e só confirmam o que já estava decidido de antemão: mandar as crianças de volta para casa. Pesquisas já mostraram a precariedade do produto de práticas diagnósticas realizadas por profissionais psicólogos. Essas pesquisas detectam “asneiras que seriam cômicas se não fossem trágicas, dada a capacidade que têm de estigmatizar e de justificar desigualdades sociais ao reduzi-las a deficiências individuais. Ou seja, a maioria dos psicólogos acredita que estão numa sociedade de oportunidades sociais iguais e de capacidades individuais diferentes: há aptos e inaptos, capazes e incapazes, superiores e inferiores - em resumo, vencedores e perdedores”.
Muitos desses profissionais mal formados intelectual e profissionalmente se entusiasmam com o poder que lhes é dado. Muitos sentem-se livres para dizer o que bem entendem, pois acreditam (como a maior parte da sociedade) que as ciências humanas produzem conhecimentos indiscutíveis e inquestionáveis. Os cursos superiores de formação de psicólogos não geram a discussão sobre ideologias, pois se focam somente em receitas de técnicas de avaliação e no lucro, não se importando com a formação intelectual de seus alunos.
Esses profissionais mal formados correspondem um perigo à própria Psicologia, como afirmam Sylvia e Maria Helena. “Estamos diante de um quadro gravíssimo e inaceitável, não só porque há psicólogos vitimando pessoas, mas também porque a credibilidade de uma ciência e profissão que conta com excelentes pesquisadores e profissionais, capazes de contribuir para a construção da cidadania, está ameaçada.”