São Paulo (AUN - USP) - Os fundadores da psicologia científica participaram do projeto eugênico dos EUA da virada do século XIX, diz a professora Maria Helena Souza Patto, no Instituto de Psicologia (IP) da USP. Durante a mesa redonda Formação do Psicólogo e Preconceito, a professora disse que esses psicólogos estavam à frente de iniciativas de eliminação ou restrição de imigrantes no país, resultados da discriminação e do preconceito da época. Vivia-se um medo de que a “raça inferior” causasse a catástrofe da nação.
Baseando-se nos estudos de Pierre Bourdieu sobre o processo de constituição dos campos científicos e de Geneviève Peicheler, autora do livro “Invenção da psicologia Moderna”, Maria Helena diz que os pioneiros da psicologia agiram assim por precisarem de prestígio. A psicologia estava se constituindo como ciência e encontrava-se em uma luta por reconhecimento e espaço entre as demais ciências. Ela necessitava convencer as instituições acadêmicas e a própria sociedade da correção e legitimidade de seus fundamentos. Como todo campo científico, não podia obter o direito de ensinar, pesquisar e exercer a profissão de psicólogo se não conseguisse convencer os potenciais consumidores da importância e utilidade dos serviços que ela prestava.
Os estudos da psicologia foram aceitos, germinaram e puderam se estabelecer na sociedade americana da época. Nesta período e lugar, os conhecimentos que começavam a ser gerados pelos psicólogos, seus entendimentos de mente e homem, caíram como uma luva para os detentores do poder. Essa nação em formação, que cultuava o progresso técnico-científico como promessa de melhoria da vida de todos, foi fundada nos princípios políticos liberais da igualdade formal e precisava justificar a desigualdade real que gerava, em termos científicos, ou seja, inquestionáveis. Era atravessada por um ódio racial que resultou em violência desmedida e procurava instrumentos de mensuração de capacidades que legitimassem este ódio e estas práticas.
Este é o bonde que os psicólogos tomaram. Segundo Maria Helena, “juntaram a fome com a vontade de comer”. Valeram-se das necessidades daquele momento, daquele país para se instituir, estabelecer o seu campo. Munidos de um discurso europeu que se baseava na teoria de Charles Darwin, diziam que a pobreza e a criminalidade era o resultado de seres inadaptáveis e desajustados, que ameaçavam a sociedade harmônica. Reduzindo o ser humano a um animal qualquer, os eugenistas diziam que, ao impedir-se a seleção natural, através de caridade e assistência médica, a “escória humana” não seria eliminada. Precisava-se, porém, de uma prova disso. Para barrar os imigrantes, era preciso identificá-los de modo insuspeito, ou seja, mensurá-los. Os psicólogos não perderam tempo, e apresentaram os testes de inteligência, através do qual identificavam incapazes, inadaptáveis, inúteis e perigosos. Esse método, adaptação da escala francesa de mensuração de inteligência de Binet, gerou conceitos como o “moron” (pessoa com o nível mais leve de deficiência mental) e causou uma paranóia na nação. Pessoas consideradas “incapazes”, como judeus, húngaros, italianos e russos foram esterilizadas, proibidas de casarem, confinadas e deportadas por causa dos estudos de Henry Goddard que “provava” o caráter inato da inteligência.