ISSN 2359-5191

26/07/2010 - Ano: 43 - Edição Nº: 59 - Saúde - Faculdade de Saúde Pública
Médicos têm desconhecimento e postura conservadora sobre aborto

São Paulo (AUN - USP) - A Pesquisa Nacional sobre Aborto realizada pelo Ibope em parceria com a Universidade de Brasília (UNB) mostra que o perfil das mulheres que já fizeram aborto não é tão óbvio. Elas vêm de classes sociais diferentes, metade são católicas ou evangélicas e mães de família. E uma em cada sete brasileiras, isto é, 15% da população em idade reprodutiva já abortou. Tendo em vista que a prática é ilegal no Brasil, com exceção para casos de estupro ou que comprometem a saúde da mãe, a clandestinidade com que o tema, no âmbito da saúde pública, é tratado é preocupante.

A doutora em Antropologia Social pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, de Paris e atual fellow na Columbia University, Silvia de Zordo, apresentou na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, a pesquisa de Pós-Doutorado: Representações e discursos dos profissionais de saúde sobre aborto legal e ilegal em duas maternidades públicas de Salvador: os direitos das mulheres, a força da lei - terrena e divina - e o poder dos médicos.

Ela explica que escolheu a América Latina por achar o sistema de saúde paradoxal – há uma preocupação com planejamento familiar, isto é, as mulheres podem escolher não ter filhos, mas não podem interromper uma gravidez indesejada. E o Nordeste, mais especificamente, devido às elevadas taxas de aborto induzido e mortalidade materna. A pesquisa observou como profissionais da saúde, em dois hospitais maternidade de Salvador, sendo que um deles era autorizado a realizar o aborto em casos previstos na lei,lidavam com o aborto. Silvia observou também como as pacientes que procuravam o hospital após a realização da prática eram recebidas.

A pesquisa revelou que a maioria dos médicos desconhece epidemiologia do aborto e não sabe que onde foi legalizado, o índice de abortos diminuiu, assim como a taxa de mortalidade materna. Muitos demonstraram questionamentos pessoais sobre a prática, tendo em vista o dilema entre a profissão e convicções pessoais.Vários mostraram reprovação às pacientes que chegam ao hospital com início ou problemas devido a abortamento induzido.

Apesar do Código de Ética prever que o médico, em hospitais que praticam o aborto legal, não possa se negar a fazer o procedimento a não ser que haja outro colega para fazê-lo, muitos se recusam com medo de serem estigmatizados como “aborteiros”. Silvia explica que há, por um lado o poder da lei e os direitos da mulher e do outro o poder dos médicos. Embora entre os mais jovens haja uma visão mais liberal da prática, alguns profissionais da saúde demonstraram posições conservadoras. Para alguns, aquelas que provocam aborto ocupam o leito de outras pacientes. E “legítimas” seriam as que procuram fazer o aborto em casos de estupro ou anencefalia. Há também um medo de cumplicidade legal e, embora muitos médicos entendam que as pacientes são vítimas de uma desigualdade histórico-social, a questão do gênero é naturalizada.

A responsabilidade do homem não foi citada espontaneamente, e houve médicos que afirmaram que “os homens são assim”, demonstrando entender o aborto como uma transgressão das normas de gênero. Mesmo quando o aborto é legal, há problemas. As pacientes reclamam da espera e dos vários procedimentos que devem ser feitos antecipadamente. A professora Simone Diniz, docente da FSP, alerta para um dado pouco conhecido. Segundo ela, não há restrição legal para abortos realizados em gestações acima de 12 semanas. A pesquisa de Silvia mostra que os médicos têm restrições morais quanto à realização do aborto nestes casos.

Durante a pesquisa, Silvia notou que a falta de informação sobre o aborto e o próprio funcionamento do sistema reprodutivo entre as pacientes é grave. Boa parte não sabe o que são os hormônios e como funcionam; muitas têm medo do DIU, não querem ou não gostam de usar camisinha ou tomam a pílula só no momento da relação sexual. Elas costumam ter medo de serem rotuladas, pela sociedade e pelos médicos, de “sem vergonha”. E quem tem mais de dois filhos teme ser vista como irresponsável por não evitar outra gravidez. É comum abortos ocorrerem aos finais de semana, para que a causa da internação não apareça no atestado médico apresentado no trabalho. Mesmo no hospital onde a prática é autorizada, há carência de informações, e boa parte das pacientes descobre pela mídia ou pela escola quando o aborto é autorizado pela lei.

Silvia questiona porque, em vez da curetagem com anestesia geral, método utilizado para atendimento de pacientes com início de aborto induzido, não é utilizado o AMIU (Aspiração Manual Intra-Uterina), comum em países onde o aborto é legal. A professora Simone explica que o AMIU é menos traumático, mais fácil,barato e seguro. Silvia sugere que talvez haja uma resistência devido ao apego às técnicas mais tradicionais.

Ela menciona a pressão feita por grupos religiosos para eliminar o debate a respeito. Silvia diz que nos hospitais visitados, algumas evangélicas iam até as pacientes recriminando-as pelo aborto, sem que a direção do hospital tomasse uma atitude.

A pesquisadora alerta que há uma violência da lei brasileira sobre o aborto tanto às mulheres quanto aos médicos, aliada a falta de informação. A professora Simone relembra ações educativas anteriores que se deslocaram do discurso do planejamento familiar e alerta para a obrigação do SUS de informar aos pacientes sobre seus direitos.

A pesquisa conclui que há necessidade de melhor formação nas faculdades de medicina, inclusive no sentido de humanização da prática, já que é recorrente a falta de informação dos médicos. Muitos não tem ideia do que acontece em países onde o aborto foi legalizado. Simone alerta que não ensinar sobre o AMIU, por exemplo, gera cumplicidade institucional. Alguns dos entrevistados do hospital autorizado a realizar o aborto, inclusive, disseram que não foram consultados antes sobre a realização da prática onde trabalham e que faltou treinamento a respeito.

A necessidade de humanização e de mudança da perspectiva social sobre a criminalização do aborto fica clara na fala de uma das assistentes sociais: “é preciso tratar a saúde da mulher como um direito e não como uma concessão”.

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