São Paulo (AUN - USP) - “Meu objetivo é traçar as relações entre patrimônios genéticos que podem levar à suscetibilidade ou à resistência à Paracoccidioidomicose” - doença pulmonar causada por fungos -, afirma Vera Lucia Garcia Calich, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.
O fungo é um patógeno primário, ou seja, afeta pessoas não imunodeficientes. A infecção se dá por inalação: o fungo entra no corpo humano na forma de esporos e só se transforma em levedura - forma que pode ser prejudicial - dentro de células de defesa do corpo (macrófagas). Se estabelece então nos pulmões e pode apenas habitá-lo sem causar danos ao hospedeiro. Isto acontece quando a população do invasor é controlada pelo sistema imunológico e a pessoa não fica doente. No entanto, em pessoas de certo patrimônio genético essa doença pode se tornar sistêmica, espalhando do pulmão para outros órgãos.
Ainda não se sabe o habitat do fungo, o que torna muito difícil a prevenção. Há teorias de que ele reside na terra como esporo, outros já dizem que ele vive em ambientes de alta umidade e já foram encontrados espécimes até em pinguins do Antártida. Como a doença afeta muitos agricultores, a pesquisadora crê mais na hipótese da relação com a terra.
Outra constatação importante foi a descoberta do fungo no fígado de tatus. Em Botucatu, região endêmica da doença, mais de 50% dos tatus têm a infecção. Hoje se estuda as respostas do sistema imunológico do tatu para entender melhor o processo. “Por que eu injeto o mesmo fungo no pulmão de dois animais de patrimônio genético diferente e um se cura e outro morre?”, é a pergunta que a cientista busca responder.
No que se estudou até agora, a proporção de humanos infectados com este fungo é de 80 homens doentes para cada mulher. Hormônios femininos podem impedir a transformação do esporo, evitando a doença, e mulheres naturalmente já têm um sistema imunológico com resposta mais rápida a infecções. Porém, isso as deixa mais propensas a doenças auto-imunes – o sistema ataca o próprio corpo.
Além disso “excesso de atividade do sistema imune pode desativar vários mecanismos da própria imunidade”, afirma Vera. Como o fungo é muito resistente aos processos imunológicos do corpo humano, ataques fortes não costumam matá-lo, e ele passa a viver num ambiente que não sabe mais se defender dele, tornando a doença mais grave. Em caso de pacientes graves, ainda não foi desenvolvido um método de imunização por drogas, o que se faz é estimular a produção de macrófagos.
Vera conta que os estudos dessa doença começaram em 1908, com Adolfo Lutz, que descreveu o fungo e os sintomas. Desde então poucos avanços foram feitos, quando a cientista iniciou seus estudos na área o tema era pouco ou nada tratado no meio científico. Hoje, após várias publicações, seu núcleo de pesquisa cresceu bastante e foi estimulado o debate em Universidade por todo o mundo, reativando a produção sobre o assunto.