São Paulo (AUN - USP) - O controle sobre a água torna-se cada vez mais necessário. A Unesco lançou 2003 como o Ano Internacional da Água Doce, com o objetivo de aumentar a consciência sobre a importância da proteção e do gerenciamento da água doce no mundo. Enquanto esta conscientização não ocorre, o Brasil passa por uma séria crise de energia elétrica (gerada principalmente por hidrelétricas). Desta forma, é muito importante determinar com precisão a influência da ação do homem sobre as chuvas e também seu local e hora exatos, já que elas reabastecem os rios. Esta análise é feita na bacia do Prata pela pesquisadora Maria Assunção Faus da Silva Dias, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG) com o projeto de “Dinâmica dos Sistemas Meteorológicos da América do Sul”.
O rio Paraná, principal formador da bacia do Prata, apresenta o maior potencial hidrelétrico instalado do país. A área apresenta a maior densidade demográfica, levando a um enorme consumo de água para o abastecimento, a indústria e a irrigação. Assim, as chuvas sobre a bacia do Prata têm significado essencial para o desenvolvimento do país. Saber exatamente quando e onde elas ocorrerão permite um maior planejamento.
A bacia localiza-se em uma região de interface, entre uma área intertropical e de latitudes altas. Isto configura um problema, porque ora o clima se comporta como tropical, ora como o de médias latitudes e desta forma observam-se tempestades o ano inteiro, verão chuvoso (típico de clima tropical) e inverno chuvoso devido às frentes frias (altas latitudes).
As grandes tempestades na bacia do Prata são ocasionadas pelo choque entre o Jato de Baixos Níveis (SALLJ) provindo da Amazônia e as frentes frias polares. Na floresta geralmente ocorrem chuvas locais causadas pela grande evaporação (metade da umidade vem da floresta, a outra metade do mar e de rios). Assim, cria-se uma corrente de ar úmida e quente, o SALLJ, que vai da Amazônia até a bacia do Prata seguindo os Andes. Mudanças na vegetação da Amazônia alterarão a quantidade de vapor d’água carregado pela corrente de ar, e, conseqüentemente, modificarão as tempestades.
Sabendo com exatidão principalmente a direção, mas também a intensidade e a umidade desta corrente, pode-se adaptar os modelos já existentes. Os modelos atuais são feitos com informações sobre vegetação, solo, altitude e longitude e latitude do local. Ocorrem erros de aproximadamente 200 a 500 km na localização de chuvas. Também são comuns erros na hora, já que as mudanças são muito rápidas. Uma ferramenta mais precisa poderá determinar quão sensível será o impacto das ações do homem, como o desmatamento, sobre as grandes tempestades na bacia do Prata, além de prever sua localização e horário corretos.
A bacia também pertence a outros países, como Bolívia, Peru, Argentina, Uruguai e Paraguai. Nos últimos anos, estes países junto ao Brasil formaram uma cooperação internacional da qual participa o projeto do IAG. Em janeiro e fevereiro deste ano, essa parceria desenvolveu um trabalho integrado colhendo medidas de pressão, temperatura e umidade em determinados lugares destes países. Para as outras áreas estas informações são tiradas de aeroportos. Foram lançadas aproximadamente 500 radiossondas em balões. Estas são pequenas caixas com instrumentos e um sensor GPS para localização, indicando a direção dos ventos. Elas foram lançadas do Brasil no Acre, Rondônia e Mato Grosso; da Bolívia em Santa Cruz de la Sierra; da Argentina em Córdoba; do Paraguai em Mariscal Etchigarribia e Assuncion.
Houve a participação de americanos da Universidade de Utah e da National Severe Storm Laboratory, que trouxeram o avião P3. Ele possui instrumentos para medições meteorológicas e aparelhos para examinar a velocidade dos ventos e a estrutura das nuvens. Com isto, o avião fez medições para descobrir onde a corrente é mais freqüente e a que altura passa. Todos os dados foram enviados para uma central de operações, localizada em Santa Cruz de la Sierra, que também define com precisão quando as radiossondas devem ser lançadas nos balões. Esta operação, necessária porque cada caixa custa cerca de 200 dólares, é determinada através dos modelos operacionais de previsão do tempo já existentes.
Com informações sobre a estrutura, localização e intensidade da corrente, pode-se calibrar os modelos, prever chuvas e fazer cenários de mudanças climáticas. Os dados estão sendo testados nos modelos para verificar sua exatidão, sendo que o final do controle de qualidade está previsto para abril. Até agora, os modelos têm conseguido se adequar aos dados, diminuindo as imprecisões. A partir daí, poderão ser inseridas variáveis, como queimadas, e, então, observar seus possíveis efeitos, como a diminuição significativa ou não das chuvas.