São Paulo (AUN - USP) - Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB-USP) estão tentando entender os mecanismos bioquímicos que desencadeiam a morte das células, especialmente aquelas relacionadas ao sistema de defesa do organismo. Descobrir o que leva as células a sobreviverem ou não em diferentes situações de stress pode apontar caminhos para outros estudos clínicos e novos tratamentos de doenças.
A morte celular faz parte da vida de um indivíduo. A formação adequada dos dedos da mão, por exemplo, só é possível através desse processo. Quando ele apresenta um desequilíbrio, porém, pode haver conseqüências. A célula que por algum motivo se mantém viva além do tempo normal pode tornar-se cancerígena e, portanto, prejudicial ao organismo. Ao mesmo tempo, a morte celular precoce é a causa de diversas doenças degenerativas.
Os estudos do ICB, coordenados pelo professor João Gustavo Amarante-Mendes, tem dois principais focos. Um deles analisa um tipo de leucemia conhecido como mielóide crônica, que afeta principalmente adultos. Por enquanto, a principal descoberta diz respeito a uma constatação dos pesquisadores de que esse tipo de leucemia bloqueia a produção de uma proteína chamada trail. Essa proteína causa a morte de células tumorais (por isso também é conhecida como “Magic bullet” – Bala mágica) e sua supressão permite o desenvolvimento da doença. O mesmo fenômeno ocorre em outros tipos de câncer, principalmente de pulmão e próstata. Entender suas origens pode ajudar a revertê-lo genética ou farmacologicamente e interrompê-lo em benefício dos pacientes.
Outro foco é em relação aos linfócitos T CD4+, que Arantes-Mendes apelida de “maestro do sistema imune”. Afinal, esses linfócitos são os principais indutores das funções imunológicas e têm papel fundamental no combate a infecção e tumores. A partir da pesquisa, foi possível constatar que durante a resposta inflamatória do organismo, quando essas células entram em ação, há um mecanismo que impede a morte celular. Ele inibe a expressão da proteína FAS ligante, um dos gatilhos da morte celular. Já foram publicados dois trabalhos para descrever esse mecanismo de controle. Compreender como se dá a manutenção da vida do linfócito T pode representar um avanço em relação a tumores e doenças infecciosas com aumento da resposta imunológica.
Atualmente, os pesquisadores estão tentando montar uma colaboração com um grupo do Hospital das Clínicas para trabalhar com o HIV. O vírus atinge os linfócitos CD4 e estimula a expressão do FAS ligante, ocasionando a morte das células infectadas. O trabalho consistiria em manipular a expressão do FAS ligante na tentativa de mantê-las viva por mais tempo.
Sobre a produção de fármacos, Arantes-Mendes explica que, “às vezes não existem drogas porque a gente não sabe que determinada via é importante”. A partir do momento uma via é evidenciada, é possível elaborar novas drogas que interfiram nesse processo. Empresas farmacêuticas trabalham com o resultado desse tipo de estudos.
A pesquisa envolvendo morte celular tem grande relevância na área médica. Tanto assim que, em 2002, o Premio Nobel de Medicina foi concedido a três cientistas que identificaram os genes que regulam o desenvolvimento dos órgãos e a morte das células no verme C. elegans.