São Paulo (AUN - USP) - A educação na Zona Leste (ZL), apesar de precária, até hoje é deixada de lado na pauta de governantes. Quem afirma é o padre Antônio Marchioni Antonio, popular “Ticão”, antigo morador da região e ativista social. Ticão e Graziela Perosa, pesquisadora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (EACH-USP) debateram o assunto em mesa-redonda no “1º Simpósio de História Oral e Memória: Memória da Zona Leste”, que aconteceu recentemente na EACH-USP.
Graziela explica que o ensino formal só começa a ser valorizado nos padrões que temos hoje – tanto a noção de que todos devem estudar como a hierarquização social que há pelo nível de escolaridade e instituição na qual se estudou. No século XX, e até 1940 só havia uma escola pública com Ensino Médio em São Paulo. Como obviamente o número de vagas era menor que o de estudantes, famílias mais abastadas pagavam escola particulares para seus filhos. Jovens de famílias mais carentes, quando estudavam, se formavam em algum curso técnico profissionalizante, entrando logo no mercado de trabalho. A universalização do ensino só começa a acontecer na década de 90 e isso explica o grande número de escolas técnicas em bairros mais afastados do centro (onde os operários moravam com suas famílias), como a ZL.
Para o padre a situação que se vê hoje ainda é consequência de períodos ditatoriais, afirma que “até hoje nós pagamos o preço em muitas áreas sociais por conta do Golpe, ainda vai demorar algumas décadas pra gente recuperar o passado de boa educação”. Para o padre, iniciativas como a EACH são essenciais, por levar o conhecimento acadêmico a lugares onde nem se ouvia falar dele, além de ser possível desenvolver muitos projetos sociais com a Universidade através de programas de extensão universitária.
Mas Ticão não considera suficientes os investimentos até agora. Relembra que o problema da segurança ainda é muito grave: “hoje o crime nessa região é sem rosto, ele existe, age e é muito forte”. Também o sistema judiciário mal alcança a área, não havendo nenhum fórum em todo o bairro de Ermelino Matarazzo, por exemplo, que tem cerca de 200 mil habitantes. Para o padre, enquanto muitas cidades do interior do estado têm uma “geografia da cidadania” - boa distribuição dos serviços sociais pelo território -, na capital há grande concentração de serviços nas regiões mais ricas e periferias são totalmente carentes. Ele afirma que “até hoje não conseguimos um jeito de administrar democraticamente essa região”.
Graziela, em concordância com Ticão, diz que a cidade é altamente heterogênea em sua estrutura pública e muito hierarquizada, econômica, social e espacialmente. “A dimensão espacial é fundamental para entender a expansão da escola no Brasil e o papel que ela representa até os dias atuais” e o que acontece até hoje é uma segregação urbana e escolar na cidade. A própria USP Leste é vista como inferior pela comunidade uspiana e há várias críticas no sentido de ela ser mais uma escola técnica, críticas infundadas e preconceituosas, de acordo com Graziela.