São Paulo (AUN - USP) - É inegável que o DNA está presente nas células de todos os seres vivos. Mas cerca de 20% dos professores de universidades particulares e da rede pública de ensino médio e fundamental responderam que não se alimentam dele diante da questão: “Você come DNA?”. A pergunta, que era precedida de uma tabela onde o entrevistado deveria relacionar a presença de DNA em diversos animais e objetos, faz parte da pesquisa conduzida pela pós-doutoranda Solange Camargo Soares, que consiste em avaliar o relacionamento que professores fazem entre conhecimento formal e cotidiano. O objetivo da pergunta era fazer com que as pessoas relacionassem a origem animal e vegetal do alimento que consomem com a presença do DNA, e o resultado é claro: há uma dicotomia entre aquilo que se passa na sala de aula e aquilo que se vive no dia-a-dia.
“Criou-se um fosso entre o aprendizado escolar e o senso comum. As pessoas consideram que lugar de conhecimento científico é no meio profissional e não na vida real”, afirma o professor José Mariano Amabis, do Departamento de Biologia e Genética do IB (Instituto de Biociências). “Constatou-se, nos EUA, com uma pesquisa de grande alcance, que os graduados em Física não conseguem estabelecer pontes entre leis de termodinâmica, por exemplo, e seus problemas cotidianos”. Esse distanciamento ocorre, segundo o professor Amabis, porque os métodos aplicados no ensino estão ultrapassados. Professores ainda têm uma visão positivista da ciência – acreditam que ela é imutável, uma vez que algo foi comprovado.
A ciência toma ares de religião e cria superstições no público, como é o caso da polêmica em torno da clonagem humana. Não há quem duvide da prática científica; por isso empresas a usam para garantir a credibilidade de seus produtos. Amabis relata: “este filão lucrativo está aberto para a exploração. Se você assistir à TV verá que até xampu e gasolina tem DNA”. Outro caso é o da empresa Clonaid, que explorou a ligação teológico-científica da clonagem humana na seita dos Räelianos (cujo líder é um ex-jornalista francês chamado Räel) para divulgar a notícia de que já havia criado um clone e que está disposta a receber dinheiro para fazer outros.
Os alimentos transgênicos levantam outra discussão. As dúvidas mais freqüentes sobre eles dizem respeito ao método empregado na sua produção (que seria “antinatural”) e nos efeitos para a saúde de quem os consome. “Além desses alimentos só serem disponibilizados para consumo depois de testes rigorosos, a manipulação genética não difere do melhoramento genético clássico que é aplicado na agricultura”, diz Amabis. A beterraba e o milho foram melhorados geneticamente através dos tempos e ninguém deixa de consumi-los por medo de que façam mal à saúde. “O milho, inclusive, evoluiu durante milhares de anos de uma gramínea pequena, que tinha poucos grãos. Deixar de pesquisar alimentos transgênicos significa ficar dependente de grandes grupos estrangeiros que já conduzem essas pesquisas há muito tempo”.
Amabis é coordenador da área de Educação do CEGH (Centro de Estudos do Genoma Humano) e suas pesquisas dizem respeito ao aprendizado sobre os avanços da genética moderna. Ele afirma que as pessoas que trabalham no aconselhamento genético do CEGH são orientadas a explicar como funciona a influência genética aos doentes que os procuram, mas que é difícil fazer com que as pessoas entendam. “Se a mãe de uma criança doente recebe a notícia de que há 25% de chance de ter um filho com uma doença genética recessiva, ela tende a acreditar que os próximos três filhos serão normais”, pondera o professor.